Meninas prendadas do «Curso Oliva»

Monte Frio, 03 Junho 2013

No longínquo ano de 1925, o industrial António José Pinto Oliveira decidiu criar aquilo a que chamou o «Império do Ferro», na famosa Fábrica Oliva, ícone incontornável na história da indústria portuguesa, com ação preponderante na afirmação e desenvolvimento sócio -económico de S. João da Madeira. Nessa ampla estrutura industrial, que empregava muitas centenas de operários, eram fabricados os mais diversos produtos metalúrgicos como, por exemplo, alfaias agrícolas, fogões de ferro fundido, salamandras, ferros de engomar, tornos de bancada, banheiras, lavatórios, prensas para o bagaço, autoclismos e, sobretudo, as famosas máquinas de costura marca «Oliva».

Por ter de suportar a tremenda concorrência da marca «Singer», os responsáveis da marca «Oliva» resolveram avançar para um arrojado plano de comercialização das suas máquinas de costura. Criaram centenas de postos de venda em todo o país e nas colónias portuguesas de África, sempre sinalizados com grandes reclames luminosos. A marca «Oliva» tinha presença assegurada em todas as feiras nacionais e internacionais. Promoveram o concurso «Vestido de Chita» e a realização anual da «Miss Oliva», certames sempre bem publicitados nas rádios e televisão. Contudo, a maior ação de propaganda popular terá sido a promoção dos cursos de corte e costura, e também bordados, nos mais recônditos lugares do nosso país. A perspetiva lógica era vender máquinas de costura às alunas, depois de instruídas e preparadas na arte de bem costurar ou bordar.

Site cmmontefrio.com merece consultas cuidadas

A propósito, como recordar é viver, trago à memória o curso de corte e costura (também bordados), promovido pela «Oliva» no Monte Frio. É verdade. Vejam bem… no Monte Frio! Socorrendo-me do excelente trabalho do Gil Cândido publicado no Site da nossa Comissão de Melhoramentos (cmmontefrio.com), denominado ‘Monte Frio através da Comarca’, cujos conteúdos históricos merecem consultas cuidadas, recordo aqui o dia da festa do encerramento do referido curso. Foi no mês de Abril de 1957. Tudo começou com a celebração de uma missa, na capela do Milagroso Bom Jesus, pelo Padre José Redondo. Seguiu-se a visita à exposição dos trabalhos confecionados durante o curso, e a cerimónia de entrega dos diplomas às 27 alunas participantes, chamadas à vez, para uma mesa de honra presidida pela D. Assunção Peres, ladeada por D. Maria Helena Soares Carvalho (professora do curso do Monte Frio), D. Maria Gil Barata Barreto (Arganil), Arménia Peres da Costa (representação das alunas), D. Ilda de Almeida, D. Alice Peres, Alberto Peres, Manuel Henriques Júnior, António Almeida Seiroco (agente da Oliva, em Arganil) e Aquilino Pessoa (inspetor da Oliva, em Coimbra). Este último, representando a marca Oliva, foi o principal orador, para elogiar o êxito desta realização e para agradecer aos montefrienses, D. Assunção Peres e Manuel Henriques Júnior, por terem sido os «grandes impulsionadores e promotores deste importante curso para as jovens raparigas da nossa região».

D. Assunção Peres e Manuel ‘Manhoso’

Cada um no seu negócio específico, ambos comerciantes respeitados e valorosos, qual deles o mais bairrista, a pugnar pelo engrandecimento da sua terra, como provam as várias iniciativas e realizações que se conhecem. A Comissão de Melhoramentos teve a feliz ideia de homenagear ambos com o «Prémio Saudade», durante um almoço de aniversário. D. Assunção Peres (Assunção da taberna) e Manuel Henriques (‘Manhoso’) são figuras imorredoiras do nosso memorial. Nos tempos difíceis, de míngua, talvez se preocupassem com as condições de vida das pessoas, como se pode deduzir pela promoção que fizeram deste empreendimento. Naquele tempo, de desconhecimento total, como foi possível levar um curso de corte e costura para Monte Frio, aldeia serrana, longe de tudo e de todos? É verdade que ambos tinham filhas (a Céu e a Arménia já então professoras diplomadas) mas, sem dúvida, quem mais beneficiou com a iniciativa foram outras meninas da nossa terra e de outras aldeias vizinhas que, assim, puderam aprender a costurar e a bordar, algo tão importante para as raparigas adolescentes desses tempos longínquos. Não podemos esquecer que a perspetiva de vida, depois de concluída a instrução primária, passava pelo trabalho duro e rotineiro da vida rural, ou seja, cavar terra, guardar gado, roçar mato… até que aparecesse um bom noivo/marido que as levasse para Lisboa.

É por isso que entendo a importância deste curso de corte e costura. Quem o concluiu podia considerar-se uma menina prendada. Pelo menos pregar um botão, coser umas bainhas, uns cortinados. E remendos? Se calhar a grande maioria destas alunas nunca aproveitou tais lições, nunca usou o ofício mas… ser costureira era um privilégio. E o saber não ocupa lugar. Dizem-me que a Dorinda Marques, do Zé Domingos, ainda hoje sabe bordar como ninguém. E que a Rosinda ainda guarda, com carinho, a tesoura usada no curso. Será que o meu amigo Fernando Melro sabe que a mãe Germana tem diploma de costureira? Quem aproveitou bem o curso foi Assunção Marques (do Álvaro), mulher quarentona, já tinha umas luzes do ofício e aperfeiçoou-se. Era a nossa costureira. Ficamos sem saber se o curso foi bom negócio para a «Oliva», não averiguei se o António Seiroco vendeu algumas máquinas de costura. Mas sei que as sessões do curso, três vezes por semana, aconteceram nas várias salas do andar de cima da casa da andorinha (do Manuel Henriques, entretanto desaparecida para alargamento da rua principal). Também a exposição dos trabalhos, a cerimónia de entrega de diplomas e o beberete foi no mesmo local.

Costureiras diplomadas

Receberam os respetivos diplomas as seguintes alunas: Susete Pimenta Henriques, Elisabete Henriques, Dorinda Conceição Marques, Eulália Conceição Custódio, Carminda Conceição Henriques, Adélia Simões, Emília Simões, Cacilda Nunes, Rosinda Martins Nunes, Saudade Augusto Ribeiro, Assunção Marques e Arménia Peres (MONTE FRIO); Maria Filomena Jesus Nunes, Isilda de Jesus, Germana Gonçalves Matias e Olívia Nunes Santos (RELVA VELHA); Deolinda Jesus Filipe, Alda Conceição Pereira Gama e Maria Wilsa Proença (CASARIAS); Maria do Céu Lourenço (VALADO); Alda dos Anjos Costa, Susete Jesus Quaresma, Fernanda de Jesus, Maria Fátima Afonso e Alda dos Anjos (MOURA DA SERRA); Hildebrandina Marques Travassos (MALADÃO); Maria Leontina Godinho Carvalho (CRUZ DA CASTANHEIRA, filha do guarda florestal).

No final da entrega dos diplomas, a menina Rosinda Nunes, em nome do grupo, agradeceu a benesse do curso, enquanto Leontina Carvalho fez entrega de uma lembrança das alunas.

Por fim, em ambiente festivo e de confraternização foi servido um beberete, o então chamado ‘Copo d´Água’, confecionado pelas alunas e pela promotora, D. Assunção Peres.

V. C.

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