Francisco Peres – em 1933

Monte Frio, 15 Outubro 2013

Alma do desenvolvimento do Monte Frio

- Inauguração da escola oficial foi há 80 anos
No dia 8 de Outubro de 1933 foi inaugurada, com pompa e circunstância, a primeira escola oficial do Monte Frio, fruto da vontade e empreendedorismo de Francisco Peres, esse notável montefriense a quem os conterrâneos tanto devem, pelo progresso e desenvolvimento (escola, estradas, ruas e caminhos, fontanários, camioneta de carreira com ligação à CP, telefone, moagem, etc.), que trouxe para a sua aldeia, colocando-a na vanguarda de toda a região, durante as décadas trinta, quarenta e cinquenta, do século passado.
Francisco Peres, negociante credenciado, com espirito bairrista, era então presidente de uma comissão escolar e de melhoramentos do Monte Frio. Homem influente, teve o seu primeiro empreendimento na criação da escola oficial, inaugurada há precisamente oitenta anos, com a presença das altas individualidades autárquicas, escolares e obras públicas, bem como do padre António Quaresma, pároco da freguesia de Benfeita, e da jovem professora D. Sofia Matos Sabino. Segundo rezam as crónicas da ‘Comarca de Arganil’, era um domingo, com chuva miudinha, e o povo, para festejar o evento, concentrou-se no Largo do Outeiro, onde se situava o edifício da escola (casa com primeiro andar), ali junto à capela da Senhora da Boa Viagem (entretanto demolida, em 1938). Para abrilhantar a festa foi contratada a Banda Filarmónica Avoense. Por volta do meio-dia, foguetes com fartura, na chegada dos convidados. Um opíparo almoço em casa do anfitrião Peres, no Largo da Fonte, antecedeu a cerimónia de inauguração da escola, onde o grande impulsionador da obra, Francisco Peres, começou por recordar os esforços e canseiras que teve de vencer, elogiando os seus conterrâneos que sempre o apoiaram no «interesse pelo futuro dos seus filhos, que devem ser educados e apetrechados para a luta pela vida, eles que serão os homens de amanhã». De seguida, incitou todos os pais a mandarem as crianças à escola, garantindo-lhes: «o tempo gasto na escola é melhor e tem resultados vantajosos para o futuro. De todos os sacrifícios que os pais fazem pelos filhos, é este o mais proveitoso e de rendimento mais certo e eficaz». Depois, agradeceu as facilidades e apoios que encontrou nas «várias entidades e autoridades oficiais, para levar por diante tão importante melhoramento, no combate ao analfabetismo» e teve palavras de simpatia para a nova professora, D. Sofia, a quem desejou: «que encontre ali o melhor bem-estar e seja feliz no desempenho da tão nobre missão de ensinar as crianças do Monte Frio, cujos habitantes a saberão respeitar, como merece, vendo em si a educadora dos seus filhos».
Professora, uma segunda mãe
Por sua vez, o Padre António Quaresma fez votos para todas as crianças frequentarem a escola com aproveitamento, aconselhando-as a respeitar a professora, vendo nela: «uma segunda mãe, que vos saberá guiar e educar carinhosamente, na senda do bem, para que os rapazes possam ser futuros cidadãos prestantes e as raparigas se transformem no ‘Anjo do Lar’».
A verdade é que estávamos em 1933 e estas palavras representavam bem o sentimento dos responsáveis, para transformar aqueles tempos de obscurantismo nas aldeias, onde os homens serviam apenas para o rude trabalho braçal e as mulheres para simples donas de casa… ou ‘Fadas do Lar’, como então se dizia.
A tal ponto que minha mãe, D. Assunção Martins, como já tinha onze anos e fazia falta para ajudar os pais na fazenda, por vontade destes não iria integrar o lote de alunos neste primeiro ano letivo. Se não fosse a persistência das suas amigas (especialmente a vizinha Irondina, que foi nova para o Brasil) a pedir ao pai que a deixasse frequentar a escola… ficaria analfabeta. Mesmo assim, só fez a primeira classe. Como já sabia ler e escrever umas linhas… abandonou a escola para ir trabalhar. Naquele tempo era assim!

Manuel do Portal, o mestre/professor
Elucidativo do que eram aqueles tempos, na falta do conforto e comodidades existente nas aldeias serranas, onde se vivia como nos tempos remotos, à míngua, casas rudimentares com famílias numerosas, tantas crianças que começavam bem cedo «a comer o pão que o Diabo amassou», labutando no campo, ao calor e ao frio, ajudando os pais nos trabalhos agrícolas, a guardar o gado, a cortar lenha, a roçar mato… e cresciam analfabetas, sem ir à escola.
Estávamos nos anos vinte e alguns pais, mais iluminados, entendiam que seria bom que seus filhos aprendessem umas letras, quanto mais não fosse, o suficiente para saberem ler ou escrever as cartas para os familiares ausentes. Sem escola na aldeia recorriam, então, ao tio Manuel do Portal, homem letrado, bisavô do Toninho Morgado, que tinha sabedoria e paciência para ensinar a rapaziada que solicitava aprendizagem. Quantos jovens do Monte Frio terão aprendido a ler e a escrever com o mestre/professor Manuel Martins (Manuel do Portal)? Foram tantos, entre os quais, o meu saudoso pai e as minhas tias.
A propósito, ocorre-me agora que este Manuel do Portal, grande senhor e grande figura montefriense do século passado, já sem família na nossa aldeia, terá caído no esquecimento dos atuais conterrâneos. Não cheguei a conhecê-lo. Contudo, sei que foi um homem respeitável e respeitado pelo povo, devido ao seu trato, solidariedade e boa educação. E, muito especialmente, pelo que fez em termos da instrução e da cultura dos nossos miúdos analfabetos, talvez merecesse uma homenagem pública dos montefrienses, alguns netos e bisnetos daqueles a quem ensinou.

Combate ao analfabetismo
Na inauguração da escola, em Monte Frio, o presidente da Câmara Municipal, Capitão António Pedro Fernandes, elogiou o dinamismo de Francisco Peres, a quem designou como ‘A alma do desenvolvimento do Monte Frio’, considerando a sua conquista de novos melhoramentos como: a substituição das fontes de chafurdo, a reparação das estradas e caminhos, bem como das ruas da aldeia, intransitáveis e cheias de sulcos. Mas referiu, especialmente, a sua velha aspiração (que viria a concretizar) de construir a estrada Portela da Cerdeira, Lomba da Moura e Formarigo.
Como o combate ao analfabetismo começava, então, a ser uma realidade, dando os primeiros passos no concelho de Arganil, o presidente da câmara anunciou, com ênfase, que nesse mesmo dia estava também a ser inaugurada a escola do Casal de S. José e que outras cinco ficariam prontas até ao fim desse ano de 1933, nomeadamente: Sobral Magro, Sanguinheda, Linhares, Saíl e Alqueve.
Passados alguns anos seria construído um novo edifício escolar do Monte Frio, a cerca de quinhentos metros da povoação. Foi essa escola que frequentei nos anos cinquenta, juntamente com a rapaziada do Monte Frio, do Valado e da Relva Velha. Era uma construção robusta, paredes largas, em xisto, sala ampla, tinha lareira e vestiário, e, no exterior, os sanitários e canteiros. A certa altura foi demolida para instalar uma pré-fabricada. Mas também essa desapareceu. Hoje resta-nos visitar o local da escola, para recordar memórias com muita saudade dos bons/velhos tempos.

V. C.

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