Piódão

Origem

A aldeia a que agora chamamos de Piódão não é, na verdade, a povoação original. Houve, em tempos, num vale muito próximo, um outro Casal de Piodam (“a gente ou o povo que anda a pé”), actualmente reduzido a ruínas.

Embora não se saiba muito bem que motivos levaram essa povoação ao abandono, pensa-se que, devido ao calor, sofria com as investidas das formigas que devoravam o mel, uma das suas principais riquezas e que, por outro lado, não dispunha de água suficiente para cobrir as necessidades de uma população em expansão.
Por outro lado, é provável que o desejo de diversificação da produção de cereais levasse os habitantes do velho Piódão a se dispersarem pelo vale, dando origem a novos focos populacionais.

As referências a Piódão ao longo dos séculos referem quase sempre o local como refúgio e isolamento do resto do mundo. Diz o povo que Piódão vem de “pior do mundo“. Quando um criminoso lá se refugiou, fugindo da justiça, enviou notícias para a família, muito longínqua, dando conta do local onde estava, “o pior do mundo“.

Na sua origem, a população pode ter alguns fora-da-lei, mas tem também a fidalguia e abastança dos seus senhores, com direito a tribuna própria na Igreja da Lourosa.

Espaço Físico

A freguesia do Piódão está administrativamente integrada no concelho de Arganil, distrito de Coimbra, sendo a mais extensa do concelho, mas a menos densamente povoada, com 36,36 km² de área e 224 habitantes (2001). Densidade: 6,2 hab/km².

A freguesia inclui as seguintes aldeias e quintas: Piódão, Malhada Chã, Chãs d’Égua, Tojo, Fórnea, Foz d’Égua, Barreiros, Covita, Torno, Casal Cimeiro e Casal Fundeiro.

Na aldeia do Piódão, os tempos difíceis que a população viveu foram amenizados, todavia, por uma vida comunitária de entreajuda.

A povoação da aldeia apresenta uma disposição em anfiteatro, pela encosta abaixo, dado que a Serra o Açor, onde se localiza, por ser muito íngreme, condicionou a adaptação da aldeia ao terreno. Assim, as ruas são estreitas e pequenas, contornando os limites da Serra, circundando a encosta e estruturando o núcleo.
As casas descem de socalco em socalco, para se alargarem na vasta praça que constitui o centro, a sala de visitas do Piódão, onde se ergue a pequena Igreja Matriz.

O aspecto que a luz artificial lhe confere, durante a noite, conjugado pela disposição das casas fez com que recebesse a denominação de “Aldeia Presépio”.

Os materiais de construção são os que a serra oferece: xisto e madeira. As habitações possuem as tradicionais paredes de xisto, tecto coberto com lajes e portas e janelas de madeira pintada de azul.

O azul das portas e janelas é um mistério, mas a explicação mais comum prende-se com o isolamento da aldeia e com a chegada de uma lata de tinta azul, não havendo escolha o azul impôs-se. A loja do Piódão só vendia tinta de uma cor, tal era a inacessibilidade do lugar.

Na aldeia existem vários monumentos e pontos de interesse como a Igreja Matriz, Igreja de São Pedro, Capela das Almas, Fonte dos Algares, Eira, Museu do Piódão, entre outros.

A geomorfologia do território decerto dificultou a vida dos seus habitantes. Para praticar a agricultura, foi necessário adaptar o terreno, criar condições para a ocupação de subsistência. Construíram-se muros de suporte às terras, os cômoros e cultivou-se em socalcos.

A flora é em grande parte constituída por castanheiros, oliveiras, pinheiros, urzes e giestas. A fauna compõe-se, sobretudo, de coelhos, lebres, javalis, raposas, doninhas, fuinhas, águias, açores, corvos, gaios, perdizes e pequenos roedores.

No Núcleo Museológico do Piódão estão expostos os costumes, as tradições e o modo de vida do povo que aqui viveu, assim como histórias de mouros e bandidos, entre algumas obras de artistas que revelam o seu olhar sobre a aldeia.

O Piódão foi classificado imóvel de interesse público em 1978, defendido desde 1974 pelo arquitecto Eugénio Correia.

A integração no projecto das aldeias históricas de Portugal salvaguardou o seu conjunto urbanístico (todas as casas em cimento e telha estão ou serão convertidas em casas com paredes de xisto e telhados de lousa).

População

Até à década de 60 a freguesia do Piódão registou um crescimento contínuo da população, a partir daí esta tendência inverteu-se. Em quatro décadas a freguesia perdeu 79% da população, devido ao fenómeno migratório e ao envelhecimento da população.

O desequilíbrio etário nesta freguesia tem vindo a acentuar-se, verificando-se uma maior quebra populacional nos escalões mais jovens.

O envelhecimento reflecte-se no perfil das famílias, sendo que, em 2001, de um total de 108 famílias clássicas, 38 eram constituídas por um único indivíduo e 52 famílias nucleares sem filhos.

Relativamente ao perfil de instrução, a maior percentagem da população (42%) tem apenas o 1º ciclo, seguida de 27% de indivíduos analfabetos e 24% de indivíduos com 2º ciclo.

No que diz respeito à aldeia do Piódão, a partir de meados do século XX, a maioria da população emigrou para outros países ou para o litoral.

Embora a emigração para o Brasil, África ou Europa tenha sido relevante, o principal fluxo migratório dos habitantes da freguesia do Piódão foi quase sempre em direcção a Lisboa.

O primeiro momento de forte emigração para Lisboa sentiu-se com o fecho das minas da Panasqueira. Os trabalhos concentravam-se na estiva, na construção naval ou na lota. Nos anos 70 a alternativa a estes trabalhos era a pequena restauração, criando-se uma rede de cumplicidades que condicionava o acesso ao emprego, à existência de relações de parentesco, amizade ou vizinhança.

Actualmente, a desertificação das zonas do interior, afecta praticamente todas as povoações desta freguesia. As populações mais jovens emigraram para o estrangeiro ou para as zonas litorais à procura de melhores condições de vida, regressam às suas origens, sobretudo, durante as épocas festivas para reviver o passado e se reencontrarem com os seus congéneres.

O padre Manuel Fernandes Nogueira, homenageado com uma estátua no largo da aldeia, teve um importante papel tanto ao nível académico e cultural, como ao nível do desenvolvimento da agricultura e silvicultura, incentivando uma vida comunitária e participando do desenvolvimento económico da aldeia do Piódão.

Economia Local (Passado)

Ao longo dos tempos, as populações foram criando condições para a subsistência, conquistando à serra cada leira, cultivada em socalcos. E assim viveram durante séculos do mel, azeite, queijo, centeio e milho a que agregaram a exploração do carvão e das minas de volfrâmio.

O carvão era o “ouro negro dos pobres”. Para grande parte da população o carvão era a grande fonte de dinheiro. Apenas os ferreiros, carpinteiros, pedreiros, alfaiates, sapateiros, taberneiros e almocreves ganhavam dinheiro regularmente.

Durante muito tempo a agricultura, a pastorícia e a apicultura constituíram as principais actividades das populações do Piódão.

O Piódão foi uma terra de pastores, com uma alimentação baseada em leite de cabra, queijo, carne de animais de criação domésticos (galinhas, cabras e porcos), mel, pão de centeio e castanha.

A pastorícia era feita pelo membro mais novo da família, com 7 ou 8 anos de idade, que ia para a serra até ao pôr-do-sol, enquanto o resto da família se encarregava da agricultura.

A estrada real, que ligava Coimbra à Covilhã, trazia à freguesia as caravanas carregadas de peixe fresco e sal, que partiam com a carne, o queijo e os lanifícios da povoação.

Os moinhos tiveram uma grande importância no quotidiano da população do Piódão, trabalhando noite e dia a moer os cereais. No entanto, actualmente encontram-se abandonados e alguns em ruínas.

Economia Local (Presente)

Os habitantes dedicam-se, sobretudo, à agricultura (milho, batata, feijão, vinha), à criação de gado (ovelhas e cabras), à construção civil, ao comércio, a actividades relacionadas com o turismo e em alguns casos à apicultura.

Relativamente ao perfil sócio-económico, tendo em consideração a população activa em 2001, 61% pertencem ao sector primário (maioritariamente na agricultura), 21% ao secundário (principalmente construção civil) e apenas 18% ao terciário (quase exclusivamente comércio e actividades relacionadas com o turismo).

Actualmente existe um número crescente de visitantes (sobretudo portugueses e espanhóis) à Aldeia por motivos turísticos. No entanto, a abertura dos piodenses ao turismo ainda é difícil.

Escola

O Padre Manuel Fernandes Nogueira abriu uma escola primária masculina, mandou construir pontes e caminhos, incentivou a plantação dos primeiros pinhais e remodelou a igreja paroquial. A par da escola masculina, existiu um colégio interno fundado por este vigário (1885) e que funcionou como um pólo cultural de grande importância para a zona.

A formação equivalia aos estudos liceais, depois um pequeno estágio após o qual os alunos estavam preparados para o professorado ou para o seminário. Era o vigário Nogueira que dava as aulas. O colégio funcionou até 1906, passando por lá mais de 200 rapazes.

Religião

Antigamente ao domingo nenhum habitante da freguesia faltava à missa, nem as actividades diárias como a rega do milho e a pastorícia os impediam. Rituais diários antigamente, como rezar no final das refeições, o terço ao serão e o pedido de bênção aos pais antes de deitar, caíram em desuso.

Os habitantes reuniram todo o ouro disponível e mandaram um pastor falar com o Bispo para autorizar a construção da igreja. Este não se mostrou disponível, alegando falta de fundos, o que foi resolvido quando o pastor mostrou as moedas de ouro.

A Igreja Matriz é conhecida como igreja de Santa Maria, ligada ao mosteiro dos Monges Brancos de S. Bernardo. Actualmente a igreja tem por titular Nossa Senhora da Conceição.

A festa de Nossa Senhora da Conceição é um dos rituais religiosos que ainda persiste. Realiza-se anualmente, no domingo seguinte ao 15 de Agosto, com uma procissão (realizada apenas de 2 em 2 anos). Nesta procissão estão representadas todas as aldeias (Piódão, Chãs d’Égua, Malhada Chã, Fórnea, Tojo, Foz d’Égua e Torno) através dos mordomos.

No Natal ainda hoje se realiza a tradicional Missa do Galo em que dão o Menino Jesus a beijar.

O dia de Reis tinha um grande significado religioso, era o Dia Santo de Guarda, à semelhança do Domingo em que ninguém trabalhava. Neste dia as crianças iam pedir os Reis, recebendo castanhas piladas.

A festa de São Pedro realiza-se a 29 de Junho e tem um lugar de destaque actualmente, estando integrada no programa de animação das Aldeias Históricas de Portugal. A Capela de S. Pedro fica situada no alto da povoação, alberga imagem de S. Pedro segurando a chave e o livro.

Em Agosto realiza-se ainda a festa do Sagrado Coração de Jesus.

A celebração da Páscoa começava na quinta-feira. Durante a tarde não se trabalhava e realizava-se a missa com a lavagem de pés do pároco a doze homens, normalmente os mordomos. No domingo de Páscoa depois da missa, o padre e o sacristão levavam a cruz a beijar a casa das pessoas na chamada Visita Pascal ou Boas Festas. Esta tradição ainda se mantém.

Na Quinta-feira de Ascensão, conhecida como o Dia da Espiga, era tradição nas aldeias da Serra do Açor as pessoas irem apanhar um ramo de espigas de centeio, ramo de oliveira, alecrim e flores silvestres, com o objectivo de alcançar a bênção de Deus para os campos, para que houvesse pão, azeite e saúde durante o ano.

Maior do que esta tradição da espiga são as ladainhas que também se realizam neste dia. Estas tiveram início antes de Cristo, com a realização de preces e penitências a Deus, devido a grandes secas que fizeram com que a terra deixasse de produzir alimentos. Depois da realização da ladainha a água regressou e as cearas voltaram a produzir. As ladainhas realizam-se a seguir à missa. Em procissão à volta da igreja a população roga por um ano farto. Em anos de maior seca iam até Chãs d’Égua à capela de S. João Batista.

Tradições

Na terapia popular recorria-se à utilização de infusões de ervas silvestres, acompanhadas de rezas e tradições herdadas de gerações anteriores, como o mau-olhado ou mal de inveja, o responso de Santo António, o responso para afastar a Trovoada, cozer o braço ou o pé estortagado, ou o corte da Gerpela.

Por cima de muitas das portas da aldeia vêem-se ainda algumas pequenas cruzes, diz-se, para afastar a trovoada.

No domingo de Ramos os fiéis levam um ramo de oliveira para benzer e, nas noites de tempestade, fazem com ele uma cruz que é posta em cima das brasas da lareira ou na porta principal, invocando assim a protecção de Santa Bárbara para afastar a trovoada.

Pelo seu difícil acesso, o Piódão foi ao longo dos séculos cenário e palco de audazes fugas dos criminosos mais temíveis. Regina Anacleto descreve assim esse período da história da freguesia: “Por causa dos salteadores, as casas então utilizadas, modestos tugúrios, não tinham portas nem janelas viradas para a rua; entrava-se por uma estreita abertura, muito baixa, ladeada de minúsculos janelos”.

Mesmo assim, os assaltantes, entre os quais se podem contar João Brandão, José do Telhado e Oliveira Matos, o Oliveirão, que foi morto pelos populares em Chãs d’Égua quando passava de noite no adro da Capela de S. João, e até mesmo, possivelmente, o Caca com o seu bando, entravam nas casas, comiam abusivamente, estragavam, roubavam e maltratavam as pessoas, que se viam obrigadas a dar aos animais os cereais que tinham armazenados para a sua subsistência.

No Natal a fogueira era uma componente indispensável. Era à sua volta que se reuniam todos, levando troncos de oliveira para arderem na fogueira e o que restava, o chamado “tição do Natal”, voltavam a levar para casa para acenderem em noites de trovoada. Nesta noite de Natal comiam-se os bolos da fogueira (filhoses) fritos em azeite no caldeiro de cobre pendurado sobre a fogueira da lareira.

Na véspera de Ano Novo voltavam a acender a fogueira com os restantes cepos que sobravam do Natal. No dia seguinte após a missa, os mais jovens iam de porta em porta cantar as Janeiras, tradição que já se perdeu actualmente. Os jovens levavam um fargoeiro para transportar os enchidos que iam recebendo.

Gastronomia

Relativamente à gastronomia local encontramos como principais pratos a carne de festa ou chanfana, o cabrito assado, a sopa serrana; o caldo da panela; as migas de bacalhau; a açorda; o presunto; o bucho de porco recheado; os maranhos; a broa de milho.

Dos doces fazem parte a tigelada à moda do Piódão, os bolos do forno, bolos da fogueira ou filhoses e os biscoitos de azeite.

A aguardente típica nesta aldeia é a aguardente de mel e de medronho.

Bibliografia

BRITO, Célia (1999) – Piódão: Terras do fim do mundo. Maia: Sersilito. ISBN 972-95116-9-1.
PEREIRA, José Fontinha (2004) Piódão, Aldeia histórica, presépio da Beira Serra: histórias, lendas e tradições. Piódão: Edição do autor.
RAMALHO, Paulo (2004) Lendas e histórias do Piódão. Arganil: Câmara Municipal de Arganil.
VALE, Fernando (1995) – Arganil e o seu concelho. Porto: Editorial Moura Pinto.
VICENTE, António dos Santos (1995) – Vida e tradições nas aldeias serranas da beira. Montijo: Sograsul.