Mourísia

Origem

O nome de Mourísia, tal como o de Moura da Serra, são topónimos próximos dos de várias outras localidades existentes em Portugal. Os vocábulos Moura, Moira, Moiro, Mouros e compostos de “Mouri” como Mourísia ou Mourisca(s) são frequentes. Em geral, denominam locais e aldeias com bastante antiguidade outrora fundados por remotos antepassados ou povos que os habitantes locais acreditam terem antecedido a Cristandade actual. Em alternativa, estes topónimos, podem pretender conotar uma ideia de um local de pessoas humildes, muito atarefadas no trabalho dos campos, como depreciativamente sugere a expressão popular “è um moiro de trabalho”.

Existem ainda autores que defendem uma certa conotação entre a palavra Moira/Moura e local de Aparição, manifestação sagrada, seguindo a tradição popular das lendas de aparições e tesouros de “Mouras Encantadas”.

Correntemente identifica-se também o nome de Moura ou Mouros com uma alegada presença ou refúgio de povos árabes nesse local, durante a ocupação Muçulmana da Península Ibérica, que se verificou a partir do século VIII até ao fim da Reconquista Cristã.

Mas, em termos antropológicos entende-se que os habitantes destes locais englobam todos os povos antigos debaixo da designação “Mouros”. Na Serra do Açor, as populações atribuem inequivocamente tudo o que é antigo e de origem desconhecida aos Mouros. E tentam explicar a origem desses vestígios arqueológicos de outras eras com lendas de Mouros que por via oral se transmitiram de geração em geração.

Aos Mouros são atribuídos tanto as possíveis minas (transformadas na gíria popular em “Buracas dos Moiros”) e levadas de água para lavagem de minério, provavelmente romanas, como as gravuras rupestres, possivelmente datadas de épocas pré-históricas como o Calcolítico ou Bronze Final. Há ainda quem defenda que o nome da Mourísia e da Moura derivam de uma lenda sobre uma fonte que na altura era a única na serra. O aparecimento, em 1901, de duzentas moedas de prata do tempo do Império Romano, a cerca de duzentos metros da Moura da Serra, é talvez um indício de que ela remonta, pelo menos, a essa época.
Aparentemente nem romanos nem mouros deixaram quaisquer obras de vulto a atestar a sua passagem pela Mourísia. Todavia, em toda a freguesia do Piódão, incluindo aldeias vizinhas da Mourísia, como o Tojo, tem sido encontradas várias gravuras rupestres, o que nos permite supor que eventualmente também possam existir algumas ainda por localizar no Vale envolvente à Mourísia.

A presença romana, quer civil (com o Município romano da Bobadela a escassas dezenas de quilómetros) quer militar (acampamento romano na Lomba do Canho) na região teve uma forte expressão, e deve ter procurado controlar ou taxar com impostos as extracções de minério que desde épocas remotas vinham sendo praticadas na Serra do Açor e que foram pontualmente retomadas até meados do século XX. Algumas pessoas antigas afirmam existirem algumas dessas “Buracas dos Moiros” em montanhas que ladeiam a aldeia.

Uma dessas montanhas, ao cimo da aldeia da Mourísia é atravessada por dois vestígios interessantes. Parecem surgir indícios de uma antiga levada de transporte de água desde um local designado como “Fontes” em direcção a uma mina/Buraca dos Moiros numa montanha a alguns quilómetros de distância, cuja construção é atribuída pelos mourisenses aos mouros. A existência da levada é explicada com uma Lenda relativa a uma aposta com Mouros em como era impossível, apenas numa noite, construir e levar água por essa levada, que apresenta a curiosidade de parecer subir de quota ao longo do percurso…

Segundo a Lenda, os Mouros venceram a aposta, porque, apenas numa noite construíram a levada e levaram a “água encantada” conseguindo fazê-la subir pela montanha. Por causa disso, um homem da aldeia foi obrigado a ceder-lhe a sua filha em casamento, conforme apostado inicialmente. Entre possíveis águas encantadas, e a capacidade de engenharia dos romanos em fazerem subir a água e levarem-na onde precisavam dela, historicamente e racionalmente parece fazer mais sentido, que à semelhança de outras levadas de água para lavar minério construídas na serra, também esta possa ter sido construída na época romana.

Os trilhos cavados nas rochas pela massiva passagem das rodas dos antigos carros de bois são um outro vestígio impressionante da Estrada Real que passava próxima da Mourísia, na cumeada da Serra, ligando o litoral português à Covilhã e Fundão que (sendo quase uma “auto-estrada” da época) desmente bastante a ideia feita por alguns dos primeiros estudiosos da região, acerca do isolamento da Serra do Açor.

Esse isolamento só viria a ser sentido já em meados do século XIX, após o surgimento do Caminho de Ferro e de outros acessos mais favoráveis, quando esta Estrada Real e as respectivas Catraias de apoio e pernoita na Serra (“uma espécie de primitivas áreas de serviço” com serviço de restauração e repouso para viajantes e animais de tracção que circulavam na Estrada Real) começaram a ser abandonadas. E ainda mais no século XX antes de se abrirem estradas compatíveis com o novo meio de transporte – o automóvel.

O abandono de uma dessas Catraias – a da Fonte de Espinho, com vestígios ainda existentes ao cimo da Moura da Serra, motivou a deslocação dessa família para a Mourísia, ficando posteriormente a sua descendência a ser frequentemente também conhecida pela alcunha de “os Catraias”.

Outrora a Mourísia e as outras aldeias próximas da Serra do Açor tinham muito boas acessibilidades, se levarmos em linha de conta ser uma época limitada à tracção animal e humana. Aliás essa Estrada Real possui uma importante bifurcação próxima da Mourísia, por onde partia uma variante de ligação em direcção a Pomares e ao Vale do Alva. Por essa Estrada Real circulavam outrora bastantes almocreves que transportavam um pouco de tudo, mas com alguma predominância de Sal e peixe seco do litoral rumo ao interior (daí esta Estrada Real também ter sido chamada Estrada do Sal) e de carvão feito pelos carvoeiros da Serra da Açor para o litoral. Algumas pessoas da Mourísia foram carvoeiras, ou trabalharam nesses transportes de mercadorias com recurso a mulas e carros de bois.

Os últimos utilizadores a abandonarem a Estrada Real, já em meados do século XX foram as famílias ciganas nómadas que com os seus animais continuaram por quase um século a percorrer periodicamente estes caminhos e montar acampamentos no alto das serras, até por legalmente não o poderem fazer nas aldeias ou estarem mais de certo tempo em cada sítio. Nessas passagens procuravam sempre obter caridade, fazer espectáculos ou comércio com as pessoas das aldeias que eram relativamente desconfiadas com eles, mas sempre acabavam por comprar ou trocar alguns produtos agrícolas por utilidades, vestuário ou animais dos ciganos.

Foi já em meados do século XX que a Comissão de Melhoramentos da Mourísia começou a trabalhar para conseguir uma ligação mais transitável por automóveis às novas estradas rodoviárias entretanto abertas pelos Serviços Florestais do Estado Novo.

Em termos documentais, os 2 registos de baptismo mais antigos de crianças da Mourísia até agora encontrados no Arquivo Distrital de Coimbra, nos registos de Baptismo de Pomares datam de 1636. Mas, até por serem originários de duas famílias distintas, verifica-se que já existia nessa altura a Mourísia, com o actual nome e aí habitavam duas ou mais famílias distintas. É todavia possível que a aldeia seja muito anterior ao século XVII, simplesmente também não existia habitualmente uma prática de registo dos actos religiosos em livros, ou a existir esses livros podem ter desaparecido com os anos.

Espaço Físico

A aldeia da Mourísia localiza-se na freguesia de Moura da Serra, no concelho de Arganil. Situa-se na Beira Serra, que se caracteriza por ser uma região montanhosa, ficando a cerca de 450 metros de altitude na encosta da serra do Açor.

A freguesia de Moura da Serra dista cerca de 26 km da sede de concelho e ocupa uma área aproximada de 13,42 km². Confronta com as freguesias de Benfeita, Cerdeira, Piódão, Pomares, Teixeira e Vila Cova, do concelho de Arganil.

Esta freguesia foi constituída em termos eclesiásticos em 1955, sendo formalizada em termos civis, a 6 de Julho de 1962, abrangendo as povoações de Moura da Serra, Valado, Casarias, Relva Velha, Parrozelos e Mourísia.

Até 1962 a Moura da Serra fazia parte dos territórios do antiquíssimo concelho de Avô, que entretanto tinha sido rebaixado à mera condição de freguesia e integrado no território de Oliveira do Hospital. Já a Mourísia, até à constituição da freguesia da Moura da Serra, tinha integrado desde tempos imemoriais o território da freguesia de Pomares, cuja sede ficava relativamente distante.

A Mourísia é uma aldeia característica da montanha, onde predomina o xisto. Com solos pouco profundos, e terrenos com grande declive, tendencialmente ácidos e áridos, mas com uma disponibilidade de nascentes e linhas de águas muito abundante, quando comparada à escassez de água que se verifica noutras aldeias próximas que tiveram de praticar predominantemente culturas de sequeiro.

A altitude e o microclima nunca foram muito favoráveis para o desenvolvimento de olival (que se resume a umas escassas 2 ou 3 dezenas de oliveiras em todo o termo da aldeia), nem favoreceram a produção de vinho de boa qualidade.

Para contrariar as limitações naturais, os mourisenses empreenderam ao longo dos séculos uma intensa acção de transformação da paisagem natural ao redor da aldeia que foi sendo arroteada em inúmeros e impressionantes socalcos que ao longe lembram gigantescas escadarias talhadas nas encostas.

Esta transformação humana do vale envolvente à Povoação socorreu-se também da elevada disponibilidade de água que assomava em várias nascentes da montanha e em várias pequenas linhas de água que iam dando corpo à Ribeira da Mourísia. Foi desenvolvido um complexo sistema de irrigação por gravidade com recurso a minas e “poças” de captação de água de nascentes e ainda a construção de levadas que transportam a água represada nas ribeiras ou poças ao longo de vários quilómetros de extensão.

A paisagem de crescente abandono agrícola dos socalcos e as coras secas que agora predominam no Verão e Outono, já não indiciam o verde incrível das culturas agrícolas de regadio que ainda há pouco mais de uma década preenchia a maioria dos socalcos e dava ao vale e à aldeia uma incrível frescura e tonalidade de verde.

A paisagem, foi também outrora marcada pela prática de um sistema de rotação de nove anos na plantação anual de centeio a partir da meia encosta até ao cimo de algumas montanhas circundantes, e que no inicio do século XIX tornava a Mourísia uma das localidades com mais produção de centeio no concelho de Arganil.

Esta prática de cavadas e queimadas anuais em sistema de rotação nas encostas para a plantação de centeio só foi abandonada já em meados dos anos 60 e devido à pressão legal do Estado Novo, que via nesta prática uma potencial ameaça de fogo para as florestas que entretanto tinha instalado nos baldios florestais da Mourísia e de outras aldeias circundantes, que retirara às populações locais a troco do benefício de rasgar algumas estradas rodoviárias e de dar algum emprego nas obras públicas e trabalhos florestais às pessoas da região.

Na paisagem da Mourísia regista-se ainda um aumento do espaço florestal, e sobretudo da extensão dos gestais em antigos terrenos de cultivo, mas que durante os meses de Abril Maio acabam por proporcionar um fantástico espectáculo de cor, com uma serra florida em tons rosa da urze e amarelo do tojo e da giesta.

Resistem ainda alguns característicos antigos Soutos de Castanheiros no vale envolvente à aldeia, com imponentes e antigos castanheiros. Um desses castanheiros multisseculares, próximo da aldeia da Mourísia está classificado como Árvore de Interesse Público. Essa árvore motivou um pequeno livro de Michael Gonçalves intitulado “Castanheiro dos Portos uma Árvore de interesse Público”, bem como tem sido destacada em livros, exposições e folhetos especializados, recebendo frequentemente visitas de pessoas interessadas.

População

A freguesia de Moura da Serra tem uma população de 168 habitantes (números do ano de 2001), é a freguesia mais pequena do concelho de Arganil. Num estudo feito em 2000/01 por Michael Gonçalves e pela Junta de Freguesia de Moura da Serra para um CD informativo sobre a localidade, verificou-se que a freguesia mantinha 168 residentes que se distribuíam da seguinte forma pelas localidades: Moura da Serra 46, Mourísia 39, Parrozelos 17, Relva Velha 23, Valado 14, Casarias 29. Os eleitores recenseados eram 194.

Em termos de estrutura etária a freguesia apresentava uma pirâmide invertida que evidenciava o claro envelhecimento populacional: Crianças 4,2 %, Adolescentes 3,6%, Adultos 29,1% e Idosos 63,1%. Ao longo desta época esta situação tem sofrido um agravamento crescente, embora a Moura da Serra e a Mourísia sejam talvez as localidades menos afectadas com perca de população, por contraponto aos Parrozelos reduzidos a uma ou duas casas habitadas.

A figura de João Brandão e os contos sobre os seus feitos assumem particular destaque na memória popular.
O Monsenhor António Pereira de Almeida é também uma personagem muito conhecida, na medida em que foi não só o principal responsável pela criação da freguesia de Moura da Serra, como foi também um hábil condutor de obras importantes para a localidade.

Economia Local (Passado)

Outrora, a freguesia era rica em artesanato, principalmente em cestaria, gamelas, peneiras, latoaria e amoladores. Actualmente restam poucos conhecedores destas artes e os que ainda as dominam já estão reformados. A Agricultura era o principal meio de subsistência, sendo bastante extensa a área ocupada por Soutos, o cultivo de cereais (centeio, trigo, milho), de feijão e hortas e também alguma criação de gado caprino e ovino em pequena escala.

Economia Local (Presente)

Na freguesia os habitantes que ainda exercem actividade dedicam-se sobretudo à silvicultura, agricultura, apicultura e pecuária, à indústria da Construção Civil, reconstruindo ou construindo casas, fazendo trabalhos de carpintaria e marcenaria ou de pintura e ao comércio. A estatística aproximada a que se chegou no já citado estudo de Michael Gonçalves e da Freguesia de Moura da Serra, para a distribuição da população activa por sector de actividade foi: Primário 65%, Secundário 30% e Terciário 5%.

Escola

Esta aldeia não tem escola. Graças ao esforço da Comissão de Melhoramentos e dos mourisenses, bem como ao elevado número de crianças funcionou outrora na Mourísia uma escola numa casa particular cedida para o efeito, sensivelmente entre 1954 e 1964. Antes e depois dessa data as crianças da Mourísia iam a pé para a Escola Primária da vizinha aldeia de Sobral Gordo. Mais tarde, os alunos da Mourísia passaram a ir para a Escola Primária da Moura da Serra, mas esta foi recentemente fechada, em larga medida por não existirem crianças na freguesia a justificarem a continuidade do funcionamento.

Religião

A padroeira da aldeia é a Nossa Senhora da Assunção, cuja festa anual se realiza em Agosto.

Existem duas capelas na aldeia: uma da Nossa Senhora da Assunção e outra com vários santos.

Tradições

A Mourísia tem uma festa anual que se realiza no terceiro fim-de-semana de Agosto, em honra de Nossa Senhora da Assunção. Como atracções a festa tem grupos musicais, sempre com a tradicional música portuguesa.

Existem vários concursos e diversos jogos entre os quais: campeonatos de sueca e tiro ao alvo, chinquilho, matraquilhos, provas de atletismo e pedypapper. São efectuados leilões de ofertas para realização de verbas destinadas a pagar as despesas.

Outra tradição acontece no dia 1 de Novembro com a matança do porco e o magusto, acompanhado com a prova de água-pé.

Nesta freguesia da Moura da Serra, contam-se lendas que se baseiam, principalmente, em mouros e tesouros encantados.

Das lendas sobre os Mouros, e sobre os seus rituais, pouco ficou, talvez os únicos restos da sua vivência sejam algumas grutas que existem na serra, e que se diz que perfuram a serra e vão de uma ponta a outra, sendo a mais conhecida a “Buraca dos Mouros“.

Os contos e estórias relacionadas com bruxas, lobisomens, lobos, demónios e assombrações marcam igualmente uma forte presença.

Gastronomia

Na gastronomia temos como pratos típicos da região: chanfana, arroz de fressura, torresmos e broa de milho. Como doce regional a tigelada, arroz-doce e coscoréis.

Bibliografia

VALE, Fernando (1995) – Arganil e o seu concelho. Porto: Editorial Moura Pinto.
VICENTE, António dos Santos (1995) – Vida e tradições nas aldeias serranas da beira. Montijo: Sograsul.