Alberto Trinta – carteiro de memórias

Monte Frio, 15 Maio 2012

Inspirado por uma foto antiga, é com enorme prazer que hoje aqui venho recordar o meu amigo Alberto Trinta de Carvalho, o carteiro da minha infância no Monte Frio. Há dias, quando navegávamos na internet, no excelente sítio (cmmontefrio.com), da nossa Comissão de Melhoramentos (que todos devem consultar, para se surpreenderem), deparámos com uma foto enviada pelo amigo Octávio Marques, que nos trouxe à memória momentos passados há mais de meio século. Lembro-me bem do carteiro Alberto a chegar à nossa terra com a sacola das cartas e encomendas, dirigindo-se de imediato para a taberna da D. Assunção Peres, onde logo bebia o seu copito e, por vezes, comia uma bucha. Durante vários anos fez o giro da freguesia a pé, só mais tarde passou a fazer o trajeto num cavalo. No tempo de inverno, palmilhava geadas e sofria os temporais, enregelado, por vezes encharcado. Já durante o verão caminhava diariamente à torreira do sol, subindo pelas veredas, desde a Benfeita até ao Monte Frio, onde chegava afogueado e transpirado. Contudo, a postura do garboso Alberto Trinta era sempre a mesma. Estou a vê-lo sempre com aquela farda cinzenta de carteiro profissional, abotoada até ao pescoço (como se pode observar na foto). Vida dura e sofrida a do carteiro Alberto, então um jovem com enorme simpatia entre a população, a quem servia com dedicação e amizade. Porque, na prática, o carteiro era também um confidente, um moço de recados, um elo de ligação com a freguesia e com a vila de Coja. Àquela hora, no Carvalhal, tocava a gaita e, antes que chegasse à taberna para o expediente, as raparigas saíam-lhe ao caminho, na expectativa de ele trazer uma cartinha do namorado distante. Era no tempo em que o Monte Frio estava bastante povoado, embora tendo já muitos dos seus a labutar na capital, para melhor subsistência da família.

Em Dezembro do ano 2006, a Comissão de Melhoramentos de Monte Frio homenageou os carteiros António Mina, da Benfeita, e Alberto Trinta, de Coja, com o «Diploma Afinidade», numa cerimónia que decorreu durante um almoço na Casa de Convívio da CMMF, onde lhes foi manifestado todo o carinho e amizade do povo.

O giro dos Correios da freguesia da Benfeita foi criado no dia 15 de Fevereiro de 1954, cujo posto estava sediado num pequeno espaço comercial no Largo da Capela, mudando-se depois para o estabelecimento do conhecido Artur Nunes da Costa. O percurso do estafeta de Coja para a Benfeita (com passagem pela Cerdeira), era feito de bicicleta na estrada de terra batida. O primeiro estafeta foi o Augusto da Silva (capador), da Dreia, e depois o Manuel Raposo, de Coja.

V. C.

O carteiro Alberto Trinta (com seu cavalo), na chegada ao Monte Frio. Ao fundo, as portas do estabelecimento da D. Assunção Peres, situado no centro da povoação. Curiosamente esta foto foi tirada uns dias após a festa na aldeia, porque ainda são visíveis os enfeites e o balcão da quermesse (com rama de castanheiro) ainda não foi desmontado.

No almoço de homenagem em Monte Frio, o amigo Alberto Trinta leu uns versos de sua autoria, alusivos à árdua tarefa, enquanto carteiro do giro da freguesia de Benfeita. São esses versos que a seguir aqui divulgamos em sua homenagem:

Um carteiro na serra, nos anos 50

«Foi em cinquenta e quatro

Ano do século passado

Quando um giro dos Correios

Na Benfeita foi criado»

«Por necessidade ou destino

Eu fui ali colocado

Fazendo o giro a pé

Em horário complicado»

«De Coja para a Benfeita

Pedalando na biciclete

Em estrada de terra batida

Era o início de um frete»

«Começava ao meio dia

No horário determinado

Mas na estafeta pela Cerdeira

Chegava à Benfeita atrasado»

«Separar a correspondência

Para cada povoação

E a Benfeita era a primeira

A ter a distribuição»

«Por volta da uma e meia

Como era habitual

Lá ia o Alberto a pé

Para um giro rural»

«Estradas não existiam

Os acessos eram maus

E até parte do percurso

Era subir e descer degraus»

«Pela Senhora das Necessidades

Descia ao Soito Moninho

Subia para os Pardieiros

Que era um único caminho»

«Depois da distribuição

Também sem qualquer desvio

Descia à Ribeira da Mata

E subia para o Monte Frio»

«Da Benfeita ao Monte Frio

Todo o verão, pelo calor

Só quem conhece o trajeto

Saberá dar o valor»

«E sempre que necessário

Cumprindo uma obrigação

Eu ia para a Fonte Raiz

Que também tinha distribuição»

«Dali para a Relva Velha

Onde abrandava um bocado

Continuava para o Enxudro

Já em passo acelerado»

«Em dias de temporal

No exercício da profissão

Apenas o guarda-chuva

Dava alguma proteção»

«Em Novembro e Dezembro

No Sardal ao anoitecer

E a distância para a Benfeita

Ainda para percorrer»

«Chegava de noite à Benfeita

E a correspondência que trazia

Ficava retida no Posto

Para seguir no outro dia»

«Finalmente despachado

A biciclete me esperava

O meu transporte para Coja

Que era onde eu morava»

«Mais tarde a morar na Benfeita

Começava a ficar cansado

Passei a andar a cavalo

Mas reduzia o ordenado»

«Apesar do sacrifício

Eu sentia-me contente

Nem o notaria tanto

Por lidar com boa gente»

«Fossem jovens ou crianças

Hoje já com mais idade

Sempre que nos encontramos

Mantém-se a mesma amizade»

«As pessoas que já partiram

Que não mais torno a ver

Mantê-las-ei na memória

O tempo que eu viver»

COJA, Setembro de 2004

Alberto Trinta de Carvalho

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