Fernando Francisco «O leão fogueteiro»

Monte Frio, 19 Dezembro 2011

Neste ano quase a terminar, a comunidade montefriense perdeu alguns dos seus filhos. Foi o Manecas, a Silvéria, a Lucília, o Luisito, o Zé do Chão e a Maria do Relvas. Como se não bastasse, o luto voltou recentemente ao Monte Frio. Nos últimos dias registámos mais duas baixas nos efectivos residentes na nossa terra: no dia 2 de Dezembro faleceu o Fernando Francisco, dias antes de completar 83 anos e no dia 11 foi a vez da D. Lucinda dos Anjos (de 85 anos) nos deixar. Mesmo considerando a longevidade e as limitações impostas pela doença, ainda participavam na vida e movimento da nossa aldeia. São menos dois utentes do Centro Social. É com desalento e apreensão que assistimos à desertificação dos nossos sítios, feita em ritmo acelerado. Presentemente, Monte Frio tem quatro dezenas de habitantes, quando não há muitos anos tinha cerca de setenta residentes.

É com enorme tristeza e desgosto que vemos partir pessoas da nossa afinidade como era o primo Fernando Francisco (também conhecido por Fernando Relvas, Fernando da Ribeira ou Fernando da Carris). Aqui o recordo desde a minha infância, quando as famílias, em Lisboa, tinham o hábito de se visitarem aos domingos. Certo dia, em Março de 1954, o Fernando, sportinguista inveterado, foi buscar-me a casa e levou-me ao Estádio José Alvalade, para assistir ao Sporting – Belenenses (4-0). Foi a minha primeira vez num jogo de futebol. Ficámos no peão do Estádio Alvalade, a abarrotar de gente, tudo em pé e eu pequenito, no meio da multidão, sem conseguir ver o jogo. De vez em quando, o Fernando pegava-me ao colo para eu, enfim, ver os jogadores em campo, o mesmo acontecendo em cada um dos quatro golos, içando-me para eu ver os jogadores do Sporting a festejar. Coisa fugaz, tanto mais que, segundo me contava, de cada vez que me erguia para vislumbrar o relvado, eu perguntava: «qual é o Matateu?», situação que o deixava embaraçado: «O Matateu é dos outros. Olha ali o grande Zé Travassos; aquele além é o Vasques, marcou o golo. Já viste o guarda-redes? É o Carlos Gomes! Estes são os campeões… do Sporting», retorquia, feliz da vida, com a finalidade de me conquistar para a grande família leonina. Os tempos eram de glória para os leões, a hegemonia no futebol fazia-se notar pela conquista de sete campeonatos em oito anos. A verdade é que conseguiu seduzir-me e costumo dizer que foi ele o principal responsável pela minha condição de sportinguista.

Homem dinâmico e determinado nas suas convicções sociais e políticas (assumiu-se sempre como esquerdista militante, desde os tempos em que trabalhava como motorista, na Carris), o Fernando estava sempre na primeira linha, colaborando nas lutas e organizações. Era um dos responsáveis pela organização dos almoços periódicos dos reformados da Carris.

Com força e espírito rural, após a reforma, o Fernando deixou Lisboa para fixar residência em Monte Frio. Passou a cultivar a quinta da Ribeira, lá longe, para onde se deslocava a pé, diariamente. Adorava a nossa terra. Interessava-se pelas instituições locais. Desde que foi criada a extensão do Monte Frio, do Centro Social da Benfeita, ele, com sua mulher, D. Adelina, sempre utentes dedicados e colaborantes.

O Monte Frio perdeu uma das suas figuras mais conhecidas na região. Por exemplo, o Fernando Francisco era assinante dos jornais regionais e sócio antigo do RCA (Rádio Clube de Arganil), dos que passam o dia sintonizados naquela onda, dos que telefonam para o estúdio a pedir discos ou a dar informações. Acabaram-se as idas matinais a Coja ou Arganil, com o primo Zé Relvas, na velha carrinha azul, de caixa aberta. Vamos sentir a falta da presença diária na Sala de Convívio da CMMF, antes e depois de almoço, a ler os jornais, a aquecer-se na lareira ou a conferir o Euromilhões, com a chave premiada sempre na ponta da língua. Será uma ausência notada nos habituais almoços de domingo. E até o coreto vai sentir a falta do Fernando.

Deitar foguetes era uma das paixões do Fernando Francisco. Para sempre ficará a imagem do nosso fogueteiro em acção nas festas e nos piqueniques do Monte Frio.

A Comissão de Melhoramentos de Monte Frio perde, assim, o sócio n º 6, seu antigo dirigente. Em nome da CMMF apresento sentidos pêsames a todos os familiares que honram sua memória, enquanto sócios colaborantes da colectividade.

V. C.

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