“Fiz sempre por ser perfeito”

A gente recebia o carro da linha, do forno, ainda quente. A primeira coisa que se começava a montar era as instalações eléctricas e aquelas coisas todas. O carro, por exemplo, que entrasse às oito horas da manhã, quando era ao meio-dia estava a sair já da linha. Aquilo era muito complicado! Naquele tempo, interessava-lhes montar os camiões. Os carros, os decors, vinham em caixa fechada e eram abertos lá em Alcântara. Estavam os bate-chapas a abrir aquilo e eu e um outro indivíduo tirávamos os tejadilhos. Mas era preciso saber o que é que se estava a fazer, porque os tejadilhos tinham que se montar e não se conhecia nada.

Depois, havia lá uma coisa difícil: era pôr a caixa de velocidades no motor. Vinham muitas coisas feitas, mas meter a caixa de velocidades, encaixá-la no motor, era um bocado difícil. Esteve lá um indivíduo que não aguentava, mas também não lhe disse nada. O encarregado é que me disse:

- “É pá, veja lá se consegue safar isto! Ele está ali de volta daquilo...”

Aquilo tinha umas ranhuras, eu ia com o dedo apalpar, chegava ali, tinha-lhe que pegar com dois ferros para a encaixar e metia a caixa de velocidades logo. Mas aquilo ainda pesava um bocado!

Primeiro era só um. Depois, mais tarde, como a produção começou a aumentar, veio outro. Eu, como tenho mais jeito para trabalhar com mandrilha para apontar aos parafusos, fiquei no lado esquerdo, e o encarregado ficou na porta do lado direito. Ele tinha 38 anos na altura, mas era das tais maneiras: apertávamos um com o outro! Não sei quantos carros é que eu montava na altura, mas ele queria sempre montar uma porta a mais do que eu. Andávamos sempre ali a apertar um com o outro.

Naquilo que eu trabalhei, fiz sempre por ser perfeito. E havia até lá uns discos dizendo: “Em vez de corrigir defeitos, evita-os”. Fui chefe de equipa e as pessoas diziam:

- “Você exige!”

Mas eles é que me exigiam mais. Tinha um caderno de encargos em que, se houvesse qualquer coisa mal feita, não iam ter com quem fez, vinham ter comigo. Por isso, eu exigia que as coisas ficassem perfeitas.