“A professora queria que eu puxasse pelo cérebro”

A minha professora chamava-se dona Sofia de Matos Sabino e era da Carrapichana, uma terra na Beira Alta. Era uma boa professora. Na altura, havia aí uns indivíduos que eram da minha idade, mas havia outros mais velhos, rapazes que já tinham quatro, cinco anos de escola ou o que era. Um era de Vinhó e veio para o Monte Frio morar com uns tios, outro era das Casarias, tinha andado na Moura. Tinham sido maltratados por o professor e por isso é que não conseguiam fazer a quarta classe. Portanto, só fiquei eu naquele ano mais os outros dois. Mas foi muito complicado, porque eles já tinham umas luzes daquilo e eu só tinha um ano de escola.

Quando foi nas contas de dividir, eu não tinha explicações. Então, um dia, fui mostrar aquilo. Ficava mal, apagava. De forma que fui-lhe mostrar a segunda vez. A conta estava mal. A professora mandou-me uma palmada com a mão esquerda, ia-me deitando abaixo! É claro, os meus pais eram analfabetos e ela queria que eu puxasse pelo cérebro. Eu puxei, mas os outros não deram. É como eu digo: nem todos os dias um indivíduo está com o cérebro aberto, não é?

Depois, quando foram as férias, ela disse-me:

- “Compra os livros da quarta classe!”

E comprei a um indivíduo chamado Alberto Peres, que já morreu. Custaram 40 escudos os livros todos! Ele já tinha muito mais idade do que eu, mas recordo-me que eram livros muito bons e estavam em boas condições. Parece-me que ainda tenho dois ou três livros, é o de Aritmética e não sei que mais. Mas depois um deles foi emprestado a um indivíduo que já morreu e estragou-se, não o soube poupar. O que é que se há-de fazer... Diz que “fazer bem não olhar a quem”, mas ele não poupou os livros.