“Passavam aqui o tempo”

O estabelecimento tinha uma vedação, um balcão para vender aos clientes e uns bancos em toda a volta para eles se sentarem. Mais tarde, quando tive a televisão, eles passavam aqui o tempo. Já havia outra lojinha, antes de mim. Quando veio a televisão foi essa a primeira que eu ainda não tinha loja, nessa altura. Depois eu abri e as pessoas divividiam-se para um lado e para o outro. De dia não, porque as pessoas trabalhavam muito e não tinham vagar de lá estar, mas era à noite o serãozinho, e ao domingo. Antigamente, o domingo era guardado, não se trabalhava na fazenda. Então, entretinham-se no estabelecimento a jogar às cartas e ao dominó. Preferiam jogar que ver a televisão.

Era muito engraçado ver a reacção das pessoas à televisão. A gente ria-se muito com as velhotas, porque elas diziam assim:

-“Olha, eles estão a olhar para mim, eles estão a olhar para mim!”

Eu dizia:

- Baixa a saia, olha que eles estão a ver as pernas.

Nunca tinham visto, sabiam lá. Eram velhotas, já de 80 anos e 70 e tal anos e a gente tinha que se rir.

O telefone era também só no outro estabelecimento e no meu que havia. Eu tenho telefone há 50 e tal anos.

Ela tinha o público, que era mais antiga. Depois o público, não se tirou de lá, mas passou a ser o meu porque ela era um bocado antipática e eles preferiam pagar a mim do que ir lá ao público. Eu não tinha o telefone na loja, era em casa. A minha casa quase que chegou a ser a Casa do Povo. Faziam bicha à minha porta para irem para o telefone, não havia telemóveis. Quando era pelo mês de Julho, Agosto e Setembro faziam, pelas escadas acima, uma bicha à espera de falarem, uns atrás dos outros. Já naquela altura eu chegava a pagar de telefone aos 30 e 40 contos. Toda a gente vinha a minha casa falar ao telefone. Os meus filhos até se aborreciam e diziam que a nossa casa era casa do povo.

Ai! O que eu passei a chamar as pessoas para virem ao telefone, por esse povo, o que eu passei! Às vezes, com o estabelecimento cheio de gente, quando tinha cá alguém que pudesse mandar, eu dizia:

- Olha, vai-me chamar fulano. Olha, vai-me chamar esta, vai-me chamar aquela.

Mas eu quando não tinha, tinha que ir eu mesmo. Às vezes tinha que encostar a porta. Naquela altura, podia ficar a porta aberta que ninguém vinha mexer em nada. A gente até dormia com as chaves nas portas. Mas agora, infelizmente, já não pode ser assim. Ia chamar, chegava a ir chamar, às vezes, às 11 horas, meia-noite, quando era assim um caso aflitivo, era para participar que tinha morrido uma pessoa ou que a pessoa que estava muito mal, que estava no hospital ou isto ou aquilo. Eu chegava a me levantar da minha cama e vestia um robe e ia aí à casa das pessoas chamá-las. É por isso que eu angariei a minha freguesia, porque ela já tinha o estabelecimento há muitos mais anos que eu e eu pus um novo e consegui fazer a minha freguesia. Graças a Deus!