A casa da minha infância

A casa onde vivi durante a infância ainda hoje existe. Tinha dois pisos com lojas, o primeiro piso com uma sala ainda bem grande e dois quartos, e o segundo piso com a cozinha, um quarto e uma sala. Tinha também duas lojas de arrecadação, tipo adega, que mais tarde, quando o meu pai começou a fazer o vinho, tinha lá os pipos dentro. Nós tínhamos três quartos, com duas camas e dormíamos dois em cada cama. Era os mais velhos com os mais velhos e os mais novos com os mais novos. Às vezes, trocávamos de quarto, até os meus pais trocavam. Eram dois quartos no andar de baixo e um quarto no andar de cima e quando não dava havia sempre a sala do andar de baixo. Era aquela sala que quando trazíamos o milho da fazenda púnhamos ali para malhar. Tinha uma cama, ali à parte, para quando ia até mais uma pessoa ou assim. Normalmente, dormíamos os rapazes dois a dois mas quando o meu irmão mais novo nasceu eu daí por dois anos saí para Lisboa. Nesse caso, o mais pequenino dormia com a mãe e com o pai porque o pai andava sempre às semanas, por fora, ou no Alentejo ou nos camiões.

Essa casa já vem do tempo do meu avô. No ano em que me casei, o meu pai deu-lhe um arranjo. Isto foi em 1964 e é como ela ainda está hoje, que é do meu irmão mais novo. A casa é de pedra de lousa como ele lhe chama. Ainda hoje tem um quintalzinho que era onde a minha mãe tinha uma hortazita. Tem uma cerejeira, era onde andavam as galinhas.

A casa não tinha casa de banho. De dia fazíamos no campo, durante a noite era só o xixi, nos penicos e depois lá iam para uma estrumada que havia ao fundo da casa. Os cheiros já se sabia como é que era mas a gente estava habituada. Tinham sempre o mato e aquilo ia tudo lá para dentro e fazia estrume para o quintal e para esses bocadinhos mais próximos de casa que era de onde saía a hortaliça que a gente chama “mimo”, as verduras mais fresca do dia. Os “mimos” são os pimentos, os tomates, as alfaces, as couves e isso assim. É aquilo que a gente colhe e que praticamente come na altura. Aqui na zona usam-se os “mimos”. Ainda hoje a minha mulher diz:

- “Fui regar os ”mimos“!”