A tabaqueira

Mais tarde fui trabalhar para a tabaqueira e ganhava 21 ou o que era. Era muito poucochinho. Depois eles puseram-me a empacotar à mão, que era empreitada, e já ganhava mais. Eu tive uma sorte de ir para ali, que eu sei lá. Fui para trabalhar, para casa de uma senhora tão boa. O marido dela era director da fábrica do tabaco. E ela pediu-lhe para eu ir para lá. Parece que a estou a ouvir, assim:

- “Olha, estás a ver? A Fernanda ficou bem. Agora aonde é que eu vou arranjar uma rapariga assim?”

- “Tu é que tiveste a culpa de ela ir para lá.”

No dia que eu fui à inspecção, porque tinha que se ter altura e não se podia entrar grávida, telefona-me ela e diz assim:

- “Ó Fernanda, já sabes que ficastes bem?”

- Fiquei pois. Não havia de ficar?

Diz ela assim:

- “Olha, tens que vir fazer o jantar.”

- Não vou, não. Tenha paciência que não vou. Que eu vim agora, já é tarde, e eu tenho as minhas coisas também para fazer.

- “Eu espero aqui por si!”

Eu nunca mais me esquece. Eram pataniscas de bacalhau com arroz de tomate.

- Então mas isto é assim dona Ivone? Então eu venho de lá estar a aturar aqueles homens ali, agora ainda venho aqui?

- “Não me interessa!”

- Mas o Luciano vem comer às nove horas!

- “Eu faço-lhe aí o comer para o senhor Luciano”

O primeiro comer que saía do tacho, ela fazia logo uma coisinha para eu levar. E eu até lhe disse assim:

- Ai, louvado seja Deus! Eu aqui ao pé da casa e ainda tenho que vir aqui. Mas porque é que você não fazia?

E ela assim:

- “Já sabes que a tens que cá vir fazer.”

Mais tarde diz-me o cunhado:

- “Tu já sabes o que é que tens que levar para a fábrica?”

- Eu não!

- “Tens que levar um balde, tens que arranjar uma bata de serapilheira e tens que andar lá de joelhos naquele chão, que tens que lavar o chão.”

- Não interessa. Já estou acostumada.

Mentira! Era ele para me arreliar. Porque eu fui logo para uma máquina. Ele é que mandava lá e já se sabe que não era preciso estar-lhe a pedir nada. Nas máquinas ganhava-se mais 25 tostões. Ao trabalho de fora, chamava-se o jornal. Quem está a jornal, de fora, para uma ir à casa de banho, tem de ficar no lugar dela na máquina, para varrer o chão, a chegar coisas que é preciso para as máquinas. Eu comecei a ganhar mais na empreitada, a fazer as coisas à mão. Agora nem há as caixas. Vêm aos volumes. O dinheiro era tão pouco e o almoço era 3 escudos e 500 que pagávamos. Era a companhia que pagava o resto.

Eu lá era a rainha daquilo. Depois quando eu fui operada, morreu lá uma rapariga ao pé de mim e disseram que tinha sido eu que tinha morrido. Ai que fim. Nossa Senhora! Nem me quero lembrar. Parou a fábrica, com 1000 e tal pessoas, parou aquilo tudo por minha causa. Foi às oito horas. Passou um colega que disse que tinha morrido uma rapariga ali na Quinta de Ferro e telefonaram para o meu marido. Ele aquele dia entrou mais tarde, não estava às oito horas no serviço. E diz assim:

- “Não. Ela está bem. Está em casa da cunhada. Não há azar nisso.”

Já andavam a tirar para as flores, para o meu enterro. Pela minha saúde se não é verdade!