“Eu aprendia bem”

Na minha casa, parte deles nem chegaram a ir para a escola. Não os mandaram. Alguns aprenderam com outros cá. Mas a mim - foi mais tarde, já era mais novita - mandaram-me e fui para a escola. Fui para a professora. Devia andar dois anos na professora a fazer a primeira e a segunda classe. Depois, andava os outros dois - terceira e quarta - num professor no Areal, na escola do Areal. Fui para a escola, fiz a primeira e a segunda no primeiro ano. Ficaram logo aquelas duas arrumadas. Passei logo para a terceira. No segundo ano, já tive que ir para o Areal. Eu aprendia bem. Aí o meu irmão não aprendia. E era meu irmão. Uns aprendem bem e outros não, mas eu aprendia bem. Tinha memória. Agora, os estudos são diferentes, já não são como eram os do nosso tempo. Eu sei por um bisneto que tenho. Vinha cá, às vezes, quando estava de férias, com os deveres dele, com a História, com os livros, trazia e eu via. A gente, agora, com estes já não dá tão bem como era.

Havia uma rapariga da minha idade, que já sabia ler e escrever. Eu ainda não tinha ido para a escola. Depois é que fui e ainda fui agarrá-la. Quando dávamos História, eu dizia-a como quem diz uma cantiga, mas ela na História não dava, porque aquilo era preciso dizer de cor e ela de cor não sabia... O professor batia-lhe e ela chorava. Ele dizia-lhe assim:

- “Hás-de dizer à tua mãe que te arranje uma caixinha para meteres as lágrimas.”

Estas coisitas não esquecem à gente. Uma vez, a lavar, já ela estava casada e eu também, disse-lhe assim:

- Ó Liége, e quando o professor te dizia para dizeres à tua mãe para te arranjar uma caixinha para meteres as lágrimas?

- “Pois! O ranhoso batia-me e não queria que eu chorasse.” - dizia ela para mim.

Uma vez, passou lá um à minha porta e nós dissemos-lhe assim:

- Quem foi o primeiro rei português?

Não sabia.

- Ai, já fizeste o exame da quarta classe e não sabes quem é o primeiro rei português? Olha, eu sei quem é o primeiro rei português, D. Afonso Henriques! O D. Afonso Henriques era filho do conde D. Henrique e de D. Teresa. Tinha apenas dois anos quando morreu o pai, ficando a sua educação entregue a Egas Moniz. Egas Moniz é que o educou. Quando chegou à idade de 18 anos, pediu à mãe as rédeas do governo. A mãe não as entregou e ele declarou-lhe guerra.

Quando era no meu tempo, a História era só assim, esta.

Eu já tinha saído da escola, já sabia ler. O meu pai tinha, naquele tempo, 20 contos lá nas mãos dele. Naquele tempo, 20 contos valia dinheiro. Hoje não é nada. Ele e eu fôramos a Arganil pôr os 20 contos lá na Caixa. Como eu já sabia ler, assinei o meu nome e ele pôs o dedo. Quem não sabe ler, põe o dedo. E deixou lá ficar os 20 contos.