“Senti saudades da família”

Fui-me embora daqui, para governar a minha vida, com 21 anos, que não era aqui que eu resolvia nada. Estive 11 anos sem cá pôr os pés. Eram as saudades que eu levava. Mas, nos princípios, senti saudades da família. Quando a gente sai de casa dos nossos, quebra sempre um bocadinho, mesmo que a gente seja pobre e viva pobre. Quando se sai do que é nosso, quando se sai da província, habituado ao ambiente de cá, sente-se sempre qualquer coisa, lembra-se um bocado disto tudo. Depois, passa.

Um senhor amigo é que me levou. Chamava-se José Bento dos Reis. Era daqui da Castanheira e tinha casado no Monte Frio com uma viúva de cá. Foi a Espanha com o chefe-geral da Empresa Geral de Transportes e depois passou aqui com um camião. Ele sabia que eu queria ir para Lisboa e fez o favor de me mandar chamar:

- “Ó, Luciano, quer vir para Lisboa?”

- Quero, sim senhor!

Fez o favor de me levar para lá. Eu não tinha lá ninguém. Fui para Lisboa sem ninguém. Fui morar para o quarto onde ele morava, arranjou-me trabalho na Empresa Geral de Transportes, onde era empregado. Era preciso um fiador, arranjou-me um. O fiador era um género de responsável pela pessoa. Felizmente, nunca foi preciso. Era tal e qual como nos bancos agora. Às vezes, é preciso um fiador. E, naquela altura, para mim, também foi preciso um. Para eu ir ganhar alguns 25 tostões por dia, precisei de um fiador! Depois disse-me:

- “Luciano, isto aqui não é muito bom, mas depois resolves a tua vida.”

E assim foi. Lá me fui orientando. Foi uma pessoa muito minha amiga.

Muita gente de cá ia para Lisboa. Iam para lá e estavam um ano sem cá vir. Agora vêm cá de mês a mês. Naquele tempo, era o ano inteiro sem cá vir e, às vezes, nem no fim do ano cá apareciam. Havia lá muita gente de cá, mas eu morava um bocado desviado das pessoas da minha terra. Estava mais ao pé de pessoas dos Pardieiros que moravam ali na Graça. E nem convém muito a gente morar muito ao pé das pessoas da nossa terra, porque, às vezes, são bons é para saber a vida de cada um.

Eu aprendi muito em Lisboa, quando lá estive. Um gajo pensa que sabe muito, mas não sabe nada. E eu aprendi a respeitar as pessoas e a lidar com elas, que é o que muita gente hoje não sabe. Antigamente, respeitavam-se uns aos outros. Respeitavam-se os velhotes. Ninguém falava mal. Agora, cada vez que abrem a boca, sai porcaria. Ainda hoje, respeito as pessoas mais velhas que eu. Trabalhei com muito freguês, com muita gente e aprendi isso. Lá não se fala mal. Dizem que os de Lisboa falavam mal, mas não.

No entanto, nunca gostei de Lisboa. Estava em Lisboa só para resolver a minha vida, para trazer a reformazita. Eu não tinha cá nada. Não tinha casa onde morar, não tinha nada. E nem me faz falta, para estar tudo relva como está aí... não interessa. Mas nunca gostei de lá. Assim que me reformei, pirei-me logo cá para cima.

Eu nunca perdi a pronúncia da minha terra. E, às vezes, dizia aos gajos de Lisboa - não tenho vergonha de dizer - àqueles fadistas, àqueles fadistitas:

- A minha pronúncia é diferente da vossa, mas os meus olhos são iguais aos vossos!

E é verdade. Os olhos são iguais!

Agora, o que quero é ir um dia a Lisboa e vir ao outro. Estou melhor aqui que se estiver lá. Aquilo agora não presta. O filho às vezes bem quer que eu vá, mas eu não vou. Ir a um dia, vir ao outro, é giro.