“Estávamos numa coisa parva”

O 25 de Abril deu-me uma grande alegria. Fui sempre contra a “bufaria”, contra aquela tralha toda. No ano em que me casei, fui preso quatro vezes. Nunca roubei nada a ninguém. Tinham era um feitio comigo. Ia na rua, via uma pessoa maltratada, estava tudo estragado. Se visse dois gajos a bater num... Não podia ser:

- Pá, isto já chega!

Eu não era da qualidade de fugir, ia de gancho. Mas vinha-me embora depois. Na última vez paguei 900 e tal mil réis, que naquele tempo era muito. Por isso gostei da Revolução. Deu-me alegria, porque nós estávamos numa coisa parva. Não se podia abrir a boca, não se podia nada. Um gajo não podia estar no passeio que era logo corrido dali para fora. De vez em quando, tinham essas coisitas. Mas tinha amigos na polícia. E até fui convidado lá para a treta deles:

- Não, não quero nada disso.

Eram os informadores. Fui convidado para entrar nessa música:

- Não quero nada disso. Não, não quero nada disso.

Não gostava. Ainda hoje não gosto. Ainda hoje tenho azar aos gajos da PIDE. Só quem sabe o que eles faziam! Aqui, ninguém sabe. Eu sei um bocadinho daquilo. Era uma coisa parva! Bastava eles terem azar a um gajo qualquer. Depois havia esses ranhosos - que não têm outro nome - desses legionariozitos, desses informadorzitos. Um gajo estava aí numa tasca ou num lado qualquer a falar, daí por um bocado, quando um gajo se descuidava, estava unhado. Eles não agarravam ninguém. Nem tinham coragem para isso. O que é, apitavam para os outros e esses é que os levavam. Entrava a ronda por ali dentro. Se um gajo tivesse uma navalheira no bolso, ia tudo! Não ficava com nada. Qualquer coisa, ia logo tudo.