“Aquela carne era uma maravilha”

Antigamente, não vinha cá ninguém vender carne nenhuma. Criávamos aí umas galinhazitas. Às vezes, aparecia uma mulher da Benfeita a vender sardinha e, como não havia dinheiro, era com os ovos que se pagavam as sardinhas. Eles deixavam as sardinhas e a gente adiantava-lhes os ovos. Era assim, não havia dinheiro! É verdade. Às vezes, vinha a raposa e comia as galinhas. Lá iam as galinhas, lá ia tudo.

Vinham cá poucos, muito poucos, vender coisas. Agora, vêm aí duas pessoas vender sardinha todas as semanas. Se for preciso, duas vezes. Vêm os da carne duas vezes também. Dois carros. Vem a fruta duas vezes. Naquele tempo, não vinha cá nada. Nem padeiro. Só havia o que se cozia aí nos fornozitos. A broazita. Quem a tinha para cozer. Porque havia muita gente que não tinha.

Por isso, cada um criava e matava o seu porcozito. Agora, não pode haver animais. Naquele tempo, às vezes até dormiam por cima e o porco por baixo, na loja. Não raro. No Inverno, quando estava o tempo frio é que matavam os porcos. Era giro. O porco era agarrado e estendido em cima do banco e o matador, com a faca, matava. Um segurava, o outro matava. Depois aquilo era chamuscado, pendurado e aberto. Deixavam arrefecer, porque a carne não convinha ser cortada a quente. Ao outro dia, desmanchavam. Uns enchiam um bucho - ou como é que eles chamavam aquilo - e outros coziam. Convidavam a família e iam comer. Aquele bocado de carne de porco na sopa - não muito cozida - era uma maravilha. Agora, um gajo come qualquer carne e não sabe a nada. Naquele tempo era uma maravilha.