Manuel Martins Nunes e Natividade Rita

Os meus pais chamavam-se Manuel Martins Nunes e Natividade Rita. À minha família chamavam os Forquilhas. Já vinha de Parrozelos, da família da minha mãe. Ainda hoje nos chamam. Parece que um dia o meu bisavô pegou lá numa forquilha não sei para quê. E lá ficou com o nome de Forquilhas.

A minha mãe trabalhava na agricultura e tomava conta dos filhos. Era doméstica. O meu pai andava a vender colheres por essas serras fora. Não as fazia. Comprava-as aqui no Monte Frio, no Sardal, que era terra de colhereiros, e nos Pardieiros também. Depois vendia-as para Celorico, para os lados da Beira Baixa.

O meu pai era aleijado do pescoço. Tinha o pescoço um bocado torto. De resto, era um homem normal como os outros. Era boa pessoa. A minha mãe não podia ser melhor. Só o castigo que ela tinha para criar os filhos todos, não podia ser ruim, não podia ser má.

Éramos seis irmãos: o Abílio Martins Nunes e a Lucília; a seguir era eu, o Luciano; depois tinha uma irmã chamada Maria, outra chamada Albertina - que ainda moram aí - e tenho um mais novo que é o José Martins Nunes, chamado cá o Zé do Chão. Ficou com a alcunha do meu pai. Aqui, tratavam o meu pai por Manuel do Chão, porque ele morava onde chamavam Chão da Fonte - que é mais ou menos o Monte Frio antigamente. Por isso, puseram-lhe aquele nome. É verdade. A relação com os meus irmãos era boa. Foi sempre boa. Naquele tempo, não podíamos ser maus uns para os outros. Éramos unidos. Só a fome que se passava aí chegava para a gente ser bons uns para os outros. Antigamente, era uma sardinha partida por três! A sardinha era dividida por três para comerem mais um bocadito de broa. Há aí uma mulher que dizia que só queria a parte da cabeça porque tinha mais que comer. Era enganada! Pensava que a cabeça tinha mais que comer. Para mim, naquele tempo, qualquer coisa servia. Ainda hoje sou bom de boca. Éramos obrigados a isso. Naquele tempo, metade da povoação era pobre. Tinham que cavar para comer, se queriam.

O ambiente lá em casa era pobre. Os meus pais eram pobres, não tinham nada. O meu pai morreu quando eu tinha 7 anos. O cemitério era na Benfeita. E não havia estrada para lá. Levavam os mortos por meio das penedas abaixo, por um caminho que só ia um à frente outro atrás. Pusemos o caixão em cima de um esquife - um género de uma escada - mas não houve ninguém para o levar para o cemitério, porque ele era pobre! Se fosse um rico, toda a gente aparecia lá para ajudar, mas como era pobre, falhavam. Nessa altura, o mais novo ficou na barriga da mãe. E a minha mãe, coitadita, ajudava as pessoas para governar a gente. Quando o meu pai morreu, ela era obrigada a deixar os filhos a certas pessoas para poder trabalhar e arranjar alguma coisa para a gente comer. Ia cavar um bocado de terra, ia buscar uns molhos de mato para as pessoas e ia fazer umas limpezas a umas casas. Era assim. Ela era doméstica. Fazia de tudo o que aparecia.