Moleiro e lavradora

O meu pai era moleiro. Agora já não há. Moía para fregueses. Eles é que moíam lá o grão: milho, centeio, trigo. Nalguns lados, havia muito trigo. Trigo, milho, centeio e tudo que era de cereais, moía-se naqueles moinhos. Depois, a gente aproveitava a farinha. O moinho era dele. Ultimamente, já era dele. Era no Pisão, ali na água das meias. Comprou lá.

O meu pai tinha um criadito - chamava-o o Rafeirito - e levava-o com ele. Um dia, ia maldisposto “pia baixo”, não sei se chegou a vomitar se quê. O criadito julgava que ele que tinha bebido aguardente. Dizia assim:

- “Porra! Que você hoje chegou-lhe!”

Queria dizer que ele que tinha bebido muita aguardente. E ele sempre:

- “Raio do Rafeirito!”

A minha mãe trabalhava no campo. Tínhamos fazendas e trabalhávamos lá. Tínhamos muito renovo para comer, porque trabalhávamos. Criávamos uns porcos assim grandes, gordos. O meu pai era moleiro, tinha muita farinha. Aqueles porcos eram bem tratados e eram uns porcos grandes. Às vezes, havia anos que até matávamos aos dois. Outras vezes, matávamos um. Um ano, venderam um e compraram uma máquina de costura da marca Singer, que era a marca melhor que havia naquela altura. Quando matavam os que lá tinham, assim velhos do outro ano, já tinham lá outros dois. Quando vinha o outro ano, tinha tempo de os matar. Já tinham feito um ano. Não eram daqueles pequenitos, eram uns porcalhões grandes. Tínhamos muita carne e muito enchido. Tínhamos cabras e ovelhas e fazíamos muito queijo. E foi assim a vida. Trabalhar por ali fora.

Aparecia lá em casa dos meus pais, quando era pelo Entrudo, um irmão meu. Era o Urbano. Ia lá para o pé dos avós. Gostava de lá ir ouvir o que os meus pais diziam. E depois, combinavam um com o outro, o meu pai e o meu irmão:

- “Olha, dia de Entrudo, tu vais de preto. És mulato ou preto. E eu levo-te preso com uma corrente. Tu és este e eu sou este.”

Lá dizia os nomes daquilo. Era muito amigo de ir lá para o pé do avô e da avó, porque se ria com ele. Estavam a falar naquelas palhaçadas do Carnaval, do Entrudo, e depois riam-se assim um com o outro. Era assim.