“Cantigas que se diz ao vento”

Também gosto de cantar. Canto qualquer coisa mas não escrevo nada. Cantigas, aquelas cantigas que se diz ao vento. Nunca me dediquei. Por acaso gostava mas nunca me pude dedicar a isso. Quando fui para Lisboa não tinha tempo. Também não havia o desenvolvimento que há agora para que me pudesse dedicar. Agora há as escolas de música. Eu fiz 50 e tal anos de Lisboa e praticamente nunca entrei numa casa de fados. Levava lá passageiros à porta mas de resto nunca entrei numa casa de fados.

Uma que eu tenho de recordação, nunca mais me esquece essa, foi no Largo do Francisco Peres, que foi um grande “obreiro” de Monte Frio. Então, uma altura pela festa forma-se uma tocadeira a tocar o fado. Eu entro a cantar mais um rapaz que era de Relvas mas eu não sabia que ele sabia cantar, nem nada. Entrou também um rapaz que era aqui de Monte Frio e ele canta-me uma cantiga. Eu canto-lhe uma cantiga e o outro sujeito entra logo e já não deixa cantar o que estava a cantar primeiro. Entrou logo ele. Mas este tipo era rufia a cantar. Mais tarde, vim a saber que ele cantava aí nas feiras, por um lado e por outro, até na Senhora das Preces. Ainda chegou a cantar com um sujeito que cantava muito bem, o tio Matias. Esse quando se via atrapalhado virava-se para a Sagrada Escritura. Quem a não soubesse ficava logo atrapalhado. De maneira que começámos a cantar os dois, em ponto ligado, eu e ele. Traz, traz, traz, traz. O tipo com aquela coisa de rufia e eu só a olhar para o chão. No fim, o tipo deu-se como vencido. Sei que quando acabou tinha parado o baile, estava tudo cheio de gente a ouvir-nos. Pegaram-me ao colo e andei por cima deles todos. Mais tarde, o outro sujeito até disse que me queria bater porque eu lhe ganhei. Mas se me dissessem, de princípio, que ele ia cantar ao desafio de ponto ligado, eu não ia. Nunca gostei de diálogos, mas ele começou e daquela saí-me bem.