Nós, em Lourenço Marques, tivéramos uma casa de leilões, ultimamente. O meu marido reformou-se e comprávamos mobílias novas e usadas que vendíamos. Mobílias e coisas miúdas. Mas depois começou a haver aqueles barulhos. Um dia, o meu marido teve que tapar aquilo tudo na varanda do leilão, tudo com um guarda-fatos, para não verem o que lá estava dentro. É que eles, os pretos andavam a assaltar as casas e a tirar as coisas.
Ainda eu lá estava, já aquilo estava mau. Depois viéramos embora. Os filhos também cresceram. O meu mais novo não casou, mas ainda casaram lá os dois mais velhos. A minha nora é de Viana do Castelo e nós daqui. Tão longe... E a minha filha casou com um rapaz ali perto da Guarda. Eram todos de longe. Mas ainda lá ficou o meu filho mais novo muito tempo sozinho a ver se passava a casa. A minha filha também já tinha vindo primeiro que nós. Ela tinha dois filhos e eram ainda pequenos. E o meu genro mandou logo a mulher para cá com os miúdos. Começou muita gente a vir embora e veio tudo assim naquela altura. Cada um veio para seu lado.
Agora já cá estou há muitos anos. Fiquei sempre aqui. Já não me lembra de muita coisa, mas aldeia estava um bocadinho diferente. Eu já cá tinha vindo. Vim cá duas vezes e já vim de avião. Uma vez foi com o meu marido. Outra vez vim primeiro. Ele não veio e eu vim cá estar um tempo. Estive cá não sei se foi dois ou três meses. Nessa altura, até os meus filhos ficaram lá com o pai. Depois é que fui outra vez. Lá era bom também. A gente é que tinha muitas saudades disto, que era de cá, que aqui foi criada. Mas eu escrevia muito também. Agora, ultimamente, é que se usa mais os telefonemas.
Aqui, começáramos com a nossa vida. Eu já me reformei aqui. O meu marido é que já vinha reformado de lá. Tínhamos uns bocaditos de terra e semeávamos alguma coisa e assim. Só as qualidades, à moda de cá. Ele também já não podia, que era diabético e depois, qualquer coisinha, ficava logo mal das pernas. Só que empeçasse num lado qualquer, já não podia.