A arte de carpinteiro

Fui para Coimbra, quando fiz a quarta classe, para o comércio mas não era a minha vocação e regressei para aprender uma arte que eu gostava que era carpinteiro. Estive empregado na Philips Portuguesa. Depois estive na AVERY uma casa de balanças que era holandesa, salvo erro. E depois vim para a Benfeita.

Com 14 anos, mais ou menos, comecei a aprender de carpinteiro. Quem me ensinou a ser carpinteiro foi um grande mestre, António Bernardo Quaresma, mais conhecido por Quinta-Feira, e o sobrinho José Nunes dos Santos Oliveira, pessoas por quem eu nutro uma simpatia muito grande.

Nunca paguei nada para aprender. No primeiro ano não recebi praticamente nada, deram-me uma gratificação qualquer no fim desse ano, não me recordo quanto foi. Naquele tempo quando havia uns magros escudos, era uma fortuna, uma alegria. O dinheiro era para mim, os meus familiares nunca me exigiram nada. Depois comecei a ganhar qualquer coisa e foi-se progredindo na vida. Quando comecei a receber um ordenado era 10/12 escudos por dia, salvo erro. Não posso precisar. Tinha 15 anos talvez.

Carpinteiro já era um ofício considerado de uma certa categoria, porque já era diferenciado. O salário já era um pouco melhor. Já tinha uma arte, como diziam os antigos. Havia muito trabalho, íamos cortar o pinheiro, serrávamo-lo à mão, empilhávamos as tábuas, deixávamos secar, íamos buscá-las às costas, aparelhávamos e depois aplicávamo-las. Desde cortar a árvore a pôr a porta a abrir e a fechar, nós fazíamos tudo.

Os carpinteiros não faziam mobília, isso já era o marceneiro. Já era uma arte um pouco mais sofisticada. Nós fazíamos soalhos, portas, caixilhos, escadas, tectos, assentamento. Aquela coisa toda.

Em África também trabalhei como carpinteiro. Comecei como carpinteiro, fui subindo a pulso. Fui promovido mais tarde a encarregado de secção, promovido a encarregado-geral, e quando regressei tinha uma firmazita montada mais uma série de pessoas. Até parece impossível cinco pessoas de raças diferentes darem-se tão bem como nós nos demos. Era eu português, um judeu, um alemão, um inglês e um sul-africano. Chamava-se "Diversified Constructions".