“Faço os meus enchidos”

Eu todos os anos, não crio porco, mas mato porco. Porque compro e mato para fazer o meu enchido, as minhas coisas. Temos comprado um porco vivo e matamos. Tenho um caniço. Fiz um caniço para ser independente. Ter as minhas coisas. Então compro. Agora há um ano e tal dois para cá só compramos metade só mesmo para enchido e salgar o presunto. Compro mais dois presuntos por fora que tenho uma senhora em Coimbra que está sempre à espera dos presuntos que a gente cá seca e arranja. Uma professora lá. Está sempre à espera. E faço os meus enchidos com a outra carne.

Eu só faço as morcelas. A morcela de arroz, que chamam a morcela de arroz, a de carne e a de bofe. Só faço essas. Não faço as “polmeiras” (de polme), as farinheiras. Essas não faço. Como não gosto não faço. As morcelas é com sangue, gorduras. Eu faço assim: a gente mata o porco, depois temos os alguidares. A carne mais gordurenta vai para as morcelas. A carne mais medianazinha com gordura e com carne vai para as de carne porque precisam também de levar gordura quando não, ficam muito secas. E o enchido muito seco... Há pessoas que só querem fazer as chouriças de carne com o lombo e com essas coisas, mas esse enchido não presta, não fica bom porque fica muito seco. Então a gente põe aquela carne que é mais fêveras que gordura para um alguidar e a outra também que chamamos a carne traçada com a gordura e fêveras para as do bucho. Quer dizer temos os alguidares à volta e vamos cortando a carne e escolhendo assim. As morcelas então, leva depois os temperos todos, leva sangue e farinha. Enche-se e vai para o fumeiro.

As do bucho também a mesma coisa. A gente tempera a carne, põe sangue, põe os temperos todos. Também leva sangue leva arroz e os temperos todos. Carne e arroz. Vai tudo cru. A chouriça é que se põe a cozer. Põe dentro da tripa do bucho e depois leva a cozer. Tem água a ferver com sal e põe-nas a cozer. Às vezes temos o azar de rebentar alguma, mas é o que se come primeiro. Às vezes temos azar, mas outras vezes não temos azar. Outras vezes não rebenta nenhuma. Cozem-se depois tiram-se e guardamos no frigorifico. Na arca. Ainda tenho que fazer um alguidar delas para o meu genro.

Temos as de carne que ficam três dias temperadas. Costumo deixar três dias. Todos os dias a mexer de manhã e à noite. Fica temperadinho e depois ao fim de três dias enche-se e vai para o fumeiro. Depois no fumeiro sempre lume brandinho, lavam-se bem lavadinhas e agora já temos as arcas para as pôr. Antigamente era nas panelas com o azeite. Agora não.

Aproveitamos as tripas do porco porque as do porco não dá para tudo. Umas são largas demais para as de carne outras são estreitas demais para as de bucho. Então compra-se para as de carne e as outras faz-se com as tripas do porco. É tripa que a gente compra nas feiras para as de carne. As de morcelas a gente aproveita a tripa do porco e as do bucho e as de arroz também aproveita a tripa do porco. Ai, são muito lavadas. A gente vai à ribeira, esfola. A minha mãe ensinou-me a esfolar com um gancho. São esfoladas as da morcela. As outras são todas lavadas também. Aquelas gorduras todas tiradas, todas muito bem lavadas, só depois é que se utilizam. E depois ainda ficam de um dia para o outro com aguardente e rodelas de limão. Ficar aquilo ali assim muito bem lavado. A gente pode comer a pele do enchido. As outras de carne a gente compra. Compra na feira aquelas tripas secas, vêm para casa, são muito lavadas, muito lavadas e também ficam assim com aguardente e rodelas de laranja ou de limão.