Os regressos

Depois, vim cá, voltei, vim à nossa vida. Aqui, andei agarrado a trabalhar. Mas um dia o meu irmão começou-me a dizer:

- “Oh! Amanhã é feriado, amanhã não-sei-quê, outro feriado, dia santo...”

Tantos dias santos! Tantos feriados aqui, como é que é isto? Agarrei, fui a Coimbra, marquei passagem, disse:

- Vou-me já embora!

Fugi. Fui para a África do Sul outra vez. Outra vez embora. Uma vez, cheguei lá:

- Isto já chega!

Aborreci-me com aquilo, voltei para cá. Ainda vim aqui nove meses. Fiz aqui a barraca, nem sei com que idade foi. Tinha 40 anos. Fiz a barraca, o dinheiro ficou quase escasso. Disse à mulher:

- Volto outra vez!

Arranquei. Estive lá um ano ou dois sem a mulher. Fui lá andar outra vez. Eles foram lá ter comigo. Ainda lá andei mais oito anos. Oito anos, disse:

- Ó mulher, já chega!

Começou a vergar, a vergar, vim-me embora para cá. Já estava cheio daquilo. Vim-me embora. Não estou arrependido. Um filho ficou lá, anda na tropa, mas eu tive que passar o outro para lá não ficar. Essas trapalhadas todas. Arranquei para aqui para a Benfeita. Estive cá um tempo. Comecei a andar nas obras, mas isto não dava. O meu filho, o meu Rui, estava lá sozinho na indústria hoteleira. Também me passou aí a dar uma certa ideia e eu comecei a ver que isto não era vida. Um dia, ele veio cá e diz:

- “Ó pai, eu vi que isto não era vida para mim...”

Tinha aí meia dúzia de tostões. Veio-se tudo embora. Até com a renda não me aguentava. Fui outra vez para Lisboa. E fiz bem ao rapaz e tal e lá me aguentei. Fui para lá um tempo sozinho até que arranjei uma barraca. Depois, arranjamos um andar e passei-me para o andar. Estivemos lá um tempo. O raio da senhoria só queria tudo para ela. Uma casa reles. Também não melhorei nada, porque era um andar. O raio da gaja rica como o raio. Era 50 quando queria mais dinheiro. Depois, tive um andar aí no Casal de São Brás. Porreiro. Gosto do Casal de São Brás. Ainda hoje gosto daquilo.

Fui trabalhar para a Teixeira Duarte, em Lisboa. Até entrei em outro mundo muito diferente. Quem vem do estrangeiro para se adaptar aqui, cuidado... Custa bastante. O povo é muito diferente. Mas lá me fui adaptando, um bocado rude e pronto, com um bocado de dificuldade, lá aguentei mais uns 15 anos. Trabalhei no andar do fogo, cá em baixo, no Rossio. Mesmo no Chiado. Aí é que me peguei na Teixeira Duarte. Andei lá uns 15 ou 16 anos. Acabei o último bocado de tempo no Corte Inglés. Eu queria-me vir embora. Estava cheio de obras, até já me doíam os joelhos e tudo. Aquilo lá parecia um inferno. Era ruim. A descer e a subir... Andava já saturado e fui pedir ao engenheiro para me mandar embora, que estava farto. Que me aguentasse, que precisava mais de mim, porque não tinha pessoal para acabamento... Depois, por acaso, o engenheiro foi um gajo porreiro. Chamou-me à atenção, vim-me embora. Apanhei a reforma e cá fico na minha terra, que é onde eu quero estar. A vida é o diabo. É o diabo. Passou-se bom e mau.