“Fui para Lisboa”

Depois, trabalhou-se aí nas obras. Com 16 para 17, fui para Lisboa. Foi o meu irmão que me arranjou. Já lá andava. Mandou-me para lá para as obras. Estive na Casimiro Ferreira. Lá andei quatro anos. Depois, passei-me para Odivelas. Já se sabe. Era a vida, as dificuldades. Mas, mesmo na altura, fazia-se muito dificultoso. Por lá andei, defendi-me. Lá andei na guerra, sempre na construção. Aprendi a pôr estuque, andei nos estucadores, era já jeitoso. Chateei-me ali. Chateei-me um pouco, que eles mandavam-me ir cortar paus ali para um lado e os outros ficaram a acabar o trabalho de empreitada. Depois, como viram que a empreitada já estava a acabar, queriam-me passar lá para cima. Fiquei chateado. O meu irmão mandou-me ir e pronto. Mas andei lá bem. Pronto, controlei-me.

Não foi difícil adaptar-me a Lisboa. Foi até mais ou menos. Já saía mais cedo. Aqui, era de sol a sol, um bocado mais, ainda mais um bocadito. Mas a vida da gente lá era difícil. Não podia ficar a dever a um merceeiro nem a um padeiro. Tinha que se controlar. Tinha de fazer a “buchadita”, o comer à noite e tal e era assim o equilíbrio. Não era como aí estão. Em Lisboa, a gente era três num quarto. Vivia com a minha prima. Depois, tive primeiro que vir fazer nove rés-do-chão com um tipo que era aqui da Dreia. Era um empreiteiro do estuque. Até aprendi com ele. Depois, passei-me para Odivelas, porque não tinham lá acomodação e disseram para a gente ajeitar para outro lado. Passámos para Odivelas. Era uma vivenda num rés-do-chão. Depois, estive com uma prima minha daqui. Ainda aqui está. Estive lá muito tempo com eles e daí, parti para a África do Sul. Era muito difícil, era difícil a vida. Toda a malta daqui sabe como é que eu lá vivi. Hoje, é um paraíso. Isto é uma maravilha. Não digam mal disto hoje. Vamos a ver o que vem. Vamos a ver o que vem.

Havia gente daqui por lá fora. Pardieiros, Benfeita, havia por lá tudo. Muita gente. Tudo espalhou. Fugiu tudo. O povo fugiu. Aqui dos Pardieiros também era muita gente a vender fruta, a vender o que calhava. A gente encontrava malta do Minho, malta de tudo. Quando nos juntávamos, então quando eles traziam um garrafão de vinho ou chouriço, era tudo um convívio uns com os outros. Hoje, já não é aquelas amizades. Iam ao Minho:

- “Ui, eu vou lá e trago isto!”

Presunto e tal. A gente fazia sempre a nossa paródia uns com os outros.

Eu vinha aqui de ano a ano. Vinha, às vezes, era só 15 dias, conforme calhava. Em Lisboa. Claro que isto não é como hoje. Hoje, aí vêm eles com o carro. Eu andei na carrinha, nas camionetes, como calhava. É, é. Isto era lindo. Onde é que havia dinheiros? Na altura que eu fui já ia a escapar. Em Lisboa, já se juntava alguma coisa. Já se ganhava mais alguma coisa. Nem sei se era 70 paus por dia, se que era na altura. Já escapava. No fim do mês, às vezes, de um mês para outro, já se juntava mil paus. Mil paus! Uma vez, houve um tipo aqui em cima, o tio Calaias, andou a cortar cepos para o lagar. Quando o tio Alfredo foi pagar, juntou mil paus. Ah, linda! Que vais para a sombra! Pois não! Mil paus já era dinheiro. Não é como hoje. Hoje, mil paus, vai-te embora, Zé, que está a chover. Nada se faz. Então, há 30 anos, eu trouxe aqui na casa pessoal a trabalhar não sei se era a 300 escudos. Comprava uma carrada de areia por 700 escudos. O último cimento foi a 120. Era tudo equilibrado.

Estive em Lisboa até aos 27. Saí com 20 e vim com 27. Foram sete anos lá no outro lado. Foi um bocado dificultoso. Eu, se tivesse dinheiro, tinha fugido. Mas aguentei, aguentei.