Aldeia da serra

Isto agora modificou bastante. Eu sou do tempo que não havia luz, não havia nada. Às vezes, ia-se buscar uma pinha para acender em casa. E para passar a ferro, às vezes, vinham buscar as brasas a casa da minha mãe. Era naqueles tempos maus. Coitaditas, eram umas para as outras. Isto, hoje, não é nada disso. Vivia-se mal mesmo. E depois tinham seis, oito filhos, coitados. Às vezes, a chover e a gente ia buscar lenha para queimar na lareira, naquelas lareiras que havia.

Isto aqui era tudo cultivado. Era um jardim, antigamente. E o Sardal? Aquilo era outro jardim. Agora, é tudo “silveirada”. Antigamente, tudo era cultivado. Milho nestas coisas todas, tudo milho. Milho e feijão. Aqui dava sempre boa alface. O que era, era trabalhar o campo. O trabalho é duro. Foge tudo. Antigamente, tínhamos as enxadas, um ancinho. Era duns para os outros. Iam lá três e quatro a cavar terreno. Bumba com uns ancinhos grandes. Ainda lá tenho um em baixo. Vira, vira, vira, a descer com as terras. E as mulherezitas com aqueles gadanhos a semear o milho e a arrasar. Era assim que era a vida. Agora, já tudo tem um tractorzito, onde pode entrar. Hoje, já havendo esses pequenos tractores, já lavram muita coisa. Vem um tipo ali do Pai das Donas, o Ângelo, diz ele assim:

- “Não é nada para o que era antigamente.”

Esse ainda faz umas lavragens. Nesse tempo, havia aí um homem, o tio Zé Antunes, que era da lavrada. Depois foi o Elísio, o filho. Vinham da Esculca, tinham juntas de bois, andavam aí. Ganhavam a vida a lavrar as terras dos outros. Os bois, coitadinhos, esses bem sofriam. Uma vez, para entrar com os bois em cima, viram-se à rasca. As estradas eram ruins, os travões não travaram... Agora, não. Agora, já ia num tractor.

Fazia-se muito vinho. Havia aí muita gente a fazer bom vinho. Agora, tudo vai acabando. Está tudo como está. No outro ano ainda fiz 400 litros. Este ano, fiz nem 100. Ainda fiz uma pinguita, mas está fraca. Este vinho é mais fraquito. É aquele vinho fraco. O vinho parece que é de outra qualidade. Hoje, vem um bocadito maluco. É um vinho para aquecer.

Antigamente, não havia estradas. O que era a estrada antigamente! Não há muitos anos! Naquelas estradas ruins “pia cima”, iam buscar resina. A resina era toda colhida dos pinheiros. Iam não sei para donde, para alcatrão. Iam também acartar a azeitona para o lagar. Havia aí lagares. Neste lagar ali, andavam uns dois meses ou mais a moer. Ali andava outro mais dois meses. Eram dois ou três lagares a moer. O que era isto! Moía-se aí muita azeitona. Só nos Pardieiros, o que não estava ali de azeite? Agora, isto fica aí tudo abandonado. Ainda agora se vê azeitona limpinha a estragar-se. Também se gastava muito mais azeite. Agora, é mais à base de óleos. Os fritos é tudo à base de óleos. Mas o azeite era muito bom. Escaldado à maneira. Às vezes, até metíamos mesmo só padeiro ali. Iam buscar um pão daqueles de 16 tostões, abriam, botava-se azeite, botavam para dentro da fornalha e comiam o azeite. Era! Fazíamos essas malandrices.

A Quinta da Misarela é ao pé da Fraga da Pena. É na parte de lá, a seguir. As pessoas cultivavam lá o milho. Às vezes, ia-se lá até buscar palha. Pertence aos Pardieiros. Bem, depois, cá para baixo já tinham terrenos também na Benfeita. Mas parte daquilo era dos Pardieiros. Antigamente, até casavam lá em cima. Havia pessoas que casavam nos Pardieiros e casavam aqui. Depois, haviam heranças, herdavam de um lado e de outro. Era essas coisas assim embrulhadas. Comprou lá um inglês aquilo. Está lá agora um inglês na Misarela.

A Torre foi feita, devia eu ter uns 8 anos. Quem lá andou foi o tio António. O tio António é que foi o iniciador daquilo. Andou lá muito tempo. Recorda-me andar até uma roldana. Havia umas coisas feitas em corda que levavam as pedras lá para cima. Vinham as pedras numas zorras e também às costas, alguma. Tenho ideia que eram umas zorras carregadas de pedra. Os bois azorravam-na “pia baixo” dali duma pedreira ao pé do São Bartolomeu. As outras casas de baixo também foi numa zorra. Andaram para lá a acartar pedra e recorda-me de fazer uma ponte. Recorda-me: era miudito e andava sempre a pôr os olhos.

Mas, depois, aquilo tinha muita carga de pedra e como não é uma torre muito larga, eles tiveram medo do apoio lá de cima e cortaram aquilo. As pedras ficaram ali. Eu sou dessa altura. Depois, o senhor Leonardo Matias, que foi o iniciador, retirou a carga em cima. Esse gostava muito da aldeia. Não sei o que se passou aí com eles. Os filhos até foram embaixadores em França. Mas é lá o 7 de Maio.

Depois, puseram a Torre Salazar. Foi lá da iniciativa dele. Eu acho bem. Cada um fez o que fez. Não é assim? Eu acho bem. Foi na era dele, foi na era dele, pronto! A Ponte 25 de Abril foi o Salazar que a fez. Acho bem assim. Ninguém tem nada. Fez o que fez, foi o que foi. A gente sabe. Foi mau. Sofremos um bocado com ele, pronto. Ouvi ali numa entrevista o tipo que lhe cortava o cabelo. Chorava por ele, coitado. Comovia-se com o que passou com ele. Esteve ali a dar a entrevista, coitado, e comovia-se, porque cortava-lhe o cabelo. Lá tinha as coisas, embora fosse um homem formado. Ele também foi pobre e, pronto, também gostava. Portanto, cada um fez o que fez. No outro dia, queriam lá em cima na terra dele fazer lá um museu e não admitiam. Então, sim senhora. Também está bem. Podiam pôr o que ele fez, que não foi o que devia fazer. A realidade. Assim é que era. Não é só mentiras. Assim é que devia ser, mas pronto...