“Amor de mãe”

Quando os meus pais vieram para o Pai das Donas, eu já era nascida, mas não estava aqui. Não estava com eles, porque fui para servir com 7 anos. Fui fazer 7 anos a servir. Desde lá fui ali para as Bogalhas, para lá de Côja. É Pinheiro, Bogalhas e Meda de Mouros. Aquelas três territas logo ali perto. Uma senhora lá da terra, que tinha já cá filhos, lá convenceu a minha mãe a deixar-me vir. Eles tinham um filho que era piloto nos aviões e tinha seguido a vida da tropa. Era marinheiro. Estava reformado. Já era um senhor de idade. Nas Bogalhas, eu guardava umas ovelhas. Que mais podia fazer? Pouco mais. Não me pagavam. Era só pelo comer. Dormia em casa deles. Onde é que havia de ser? Era lá em casa deles.

Estive lá até aos 11 anos. Aos 11 tive uma doença. A minha falecida mãe foi-me buscar com uma cesta à cabeça para Pai das Donas. Era para eu morrer. Vinha disposta a isso, mas depois, com amor de mãe, a doença passou. Lá melhorei e cá estou. Fiquei em Pai das Donas. Estive ali mas andei por aqui e por acolá.

Vim aqui para a Benfeita, ali para uma casa por baixo da capela de Santa Rita. Eram uns senhores ricos. Só que a criada passou lá muita fominha, graças a Deus. Já tinha aí uns 14 anos quando para ali vim. O meu jantar eram cinco azeitonas e um bocadinho de pão, porque uma broa tinha de chegar para toda a semana. Eles só compravam uma broa à segunda-feira, até à outra segunda-feira. Eu não podia comer mais do que aquilo. Ao meio-dia, eram três batatas assim como as cabeças dos dedos. O conduto também não seria muito, não me lembra. Uma vez, uma coisa, outra vez, outra. Não me lembra. E uma conchinha de sopa que eu ia buscar à mesa. Vinha comê-la à cozinha. E aquando aquele comer, aquela sopa, me chegava ao estômago, eu tinha tantas dores e rebolava-me no chão, para barrar as paredes do estômago. Apanhei uma doença, que o estômago encheu-se de feridas, porque não tinha que comer, roçavam um no outro. E, pronto, fui dali com outra doença. Lá vou eu para casa para a curar. Era um problema. Por Deus, tudo aquilo passou e hoje aqui estou. Mas depois disse para os meus pais:

- Eu já não volto mais para servir, porque em todos os lados que eu vou estar, apanho doenças.