Muito diferente

A Benfeita era muito diferente. Havia lojas, de mercearia, alfaiates, sapateiros, ferreiros. Era casa sim, casa não. A gente nem pode encarar com isto. Foram morrendo, os filhos não quiseram seguir as artes dos pais. Havia muitas pessoas. E depois alegres. As pessoas eram muito alegres. Andavam na fazenda sempre a cantar, a cantar. Íamos para um lado e para o outro. A sachar o milho, a semear as batatas, andávamos sempre a cantar, sempre alegres.

Primeiro a luz era com uns candeeirinhos nas paredes a petróleo. Sei que havia. Agora os eléctricos já foi mais tarde. E então era fraquinha, já se sabe. Agora é que não. Agora há para aí luz que é o fim do mundo. A água eu lembro-me de ir com o cântaro à praça, buscar água. Eu não tinha em casa e muita gente não tinha, pois não. Não canalizavam. Iam à fonte. Havia muitos fontanários. E a gente gostava de ir porque lá é que se juntavam os rapazes. E a gente gostava de ir buscar o cantarito da água mas também era preciso porque em casa não havia. Juntávamo-nos muitas raparigas e rapazes e a gente gostava daquela paródia. E depois estávamos à espera uns dos outros, aquilo era por ordem de chegada. Enchia um, depois enchia outro, enchia outro e a gente estava com o cântaro à espera de encher, e enchia-se e a gente ficava lá um bocado a brincar. Mesmo já crescidas ali é que se juntavam os rapazes e as raparigas e a gente gostava daquilo.

Para lavar a roupa íamos à ribeira. Tínhamos lavadouros, pedras, e a gente ia para ali. Tínhamos uma joelheira que faziam de madeira, a gente ajoelhava na joelheira, que tínhamos uma pedra à frente de nós e é que esfregávamos a roupa e lavávamos. Era uma beleza. Passávamos naquela água limpinha. Era assim que a gente lavava. Só mulheres. Conversavam e cantavam. Aqui havia muitas cantadeiras.

No dia 7 de Maio, todos os anos, o relógio da Torre da Paz dá, sei lá, muitas badaladas. Nem sei quantas. É especial porque quando acabou a guerra, eu não sei em que data foi, puseram lá a torre e um sino a dar, não sei quantas badaladas. Na altura, foi um senhor que estava na aldeia que fez uma festa muito grande, que foi um senhor que veio da América, e festejou por acabar a guerra. Fizeram versos e agora ainda lá vão. Ainda cá vem umas pessoas filmar e vão lá cantar, ainda festejam.

No primeiro de Maio não se pode ir ao mato, nem à lenha porque vêm as cobras para casa. Nem apanhar couves, nem apanhar erva que vêm as cobras para casa. Nunca vi nenhuma mas há pessoas que dizem que sim, que é verdade.

Havia os ranchos. Era o Rancho do Manjerico, era o Rancho do Enguiço e picavam-se uns com os outros. Eu estive no Manjerico. Tínhamos uma farda, íamos a vários lados, convidavam a gente. Dançávamos viras e marchas, e outras danças. Era bonito.

Quando era preciso iam-se chamar os médicos. Havia médicos em Arganil e em Côja. Mesmo no meu tempo havia. Chamava-se o médico e ele fazia o que podia. Se fosse preciso já iam para o hospital. Também havia na Benfeita umas pessoas que eram como uns enfermeiros, duas pessoas. E tratavam as pessoas de qualquer maneira. Mas nunca ficavam aleijadas. Ainda assim tratavam-nas bem. Um foi mesmo enfermeiro, não sei se foi em Coimbra se foi em Lisboa, não me lembro. Eram barbeiros os dois. Um era José Augusto e outro era José Maria, tratavam muito bem as pessoas quando partiam um braço, ou quando partiam uma perna. Tratavam muito bem delas. E era assim que a gente se remediava.

Quando uma mulher ia ter um filho havia umas três ou quatro mulheres que a gente ia chamar. Sofria ali um bocado mas elas, coitadas, mas vinham ajudar a gente. Quem me ajudou foi uma senhora que chamavam Gracinda. Era muito jeitosa. Eu assim que me vi aflita mandei-a logo chamar. A pessoa lá veio, depois era muito alegre, cantava ao pé da gente, e animada.

Para mim a Benfeita é uma maravilha, não me sinto bem em lado nenhum. Quando vou a qualquer lado quero é vir para a Benfeita. Cá é que eu me sinto bem. É uma terra linda. Primeiro havia muita coisa bonita e festejavam muito as coisas. Hoje já não é assim. Mas é bonita. Agora temos a piscina, quando é de Verão vem muita gente. É isso.