As festas e a comida

A padroeira da Benfeita é a Senhora da Assunção. A festa era quase como é hoje. O que é que juntava mais gente. Vinham as pessoas que estavam em Lisboa, em Coimbra. Hoje ainda vêm. Fazia-se a procissão. E chegava ao meio-dia ou à tarde, como fosse, acabava a procissão e tocava a música até pela noite fora. Faziam o arraial, chamavam o arraial. Era muito bonito, isso era. O almoço era cada um na sua casa mas diferente. Festejava-se o almoço. Sempre se comprava um bocadinho de carne, fazia-se os doces, era muito diferente. No leilão levavam as ofertas. Tinham os mordomos, cada um dava uma oferta e aquilo ia na procissão e depois leiloavam. Vendiam. Quem mais desse mais amigo é. Mas era para a ajuda da festa. Levava de tudo, levava umas coisas de casa porque toda a gente tinha um porquinho, faziam chouriças e guardavam para aquele dia para pôr na oferta. E também punham um tachinho de arroz-doce, punham uns coscoréis, punham várias coisas, fruta. Faziam assim uma oferta bonita. Quem mais pusesse, mais bonito era. Enfeitavam muito bem o andor, punham-se as colchas nas janelas para passar a procissão, punham-se flores da janela abaixo para o andor. E era assim. E havia foguetes. Agora já nem há foguetes.

As festas eram muito animadas. Quando era pelo Carnaval faziam muitos bailes. Um aqui, outro adiante, despicavam-se uns com os outros. Vinham as músicas. E a gente, claro, gostava de ouvir pela rua acima. Mas isso era pelo Carnaval. As festas também era uma animação. Vinha a música. Não vinham conjuntos nem nada. Era sempre a música. A gente gostava era de ouvir a música. Agora nem gostam de nada, nem dançam. Eu dançava. Isso era uma perdida para dançar. Isso aos bailes ia.

A Páscoa foi sempre mais ou menos como é agora. Anda o padre, agora nem anda o padre que ele também não pode mas, anda uma pessoa com a cruz e outros a pedirem, com os saquitos, a pedirem o dinheiro, e correm as casas todas. É assim.

No Natal em minha casa é quase o mesmo, juntam-se as famílias, fazem a ceia. Comem-se couves com bacalhau e também tem doces. Só a carne é que não se pode comer na véspera de Natal. No dia seguinte come-se o cabrito, o cabrito chega. E os doces. Também tem os presentes. Também já se trocava mas era mais as pessoas mais ricas. Eu nunca tive esse uso. Agora já tenho.

Tínhamos um forno e depois cozíamos de nove a dez broas, se fosse preciso. E comíamos a broa. Pão de trigo pouco se via. Não havia dinheiro. Cultivávamos milho. Ai, trabalhávamos muito. Na altura, éramos umas escravas. Agora não é assim, não há nada disso. Acabou tudo. A gente moía o milho, ficava a farinha, depois peneirávamos aquela farinha para uma gamela, ficava o farelo que púnhamos para as galinhas ou para os porcos, para o que tínhamos. Nós tínhamos uns moinhos de água. A gente e mais pessoas. Tínhamos aqueles moinhos de água com umas pedras. Púnhamos o milho, e dali caía para baixo para a pedra e moía a farinha. Tínhamos uma arca onde caía a farinha e dali tirávamos. Quando moía aquele púnhamos outro e era assim. E depois amassávamos, púnhamos um bocadinho de sal, tínhamos o fermento, púnhamos um bocadinho de água morna e amassávamos a broa, punha-se a levedar, diz-se levedar. E depois de estar lêveda, íamos para o meu forno, aquecíamos e depois íamos tender numas tigelinhas pequenas. Cada tigela levava uma broinha e púnhamos para o forno numa pá. Púnhamos lá sete, ou oito, ou nove. As que a gente queria cozer. E depois esperávamos que ela cozesse, tirávamos fora e depois pronto, íamos comendo. Era a nossa vida.

A chanfana eu não uso muito mas sei que é cozê-la em vinho do mais preto que tiver. E a carne também é da mais velha que houver e os mesmos temperos que se põe nas outras carnes. Deixa-se cozer bem cozida.

O arroz-doce põe-se o tacho em cima do lume com uma pinguinha de água. Depois põe-se o arroz, a água a cobrir aquele arroz, o arroz ferve um bocadinho, a gente deita-lhe o leite e deixa cozer naquela água, um bocadinho de limão, de casca, um bocadinho de sal. Vai-se pondo o leite, conforme é preciso, se ele seca, claro que vai secando. Depois, só quando estiver cozido é que se põe o açúcar porque até dizem que se se puser quando ele já está cozido, que ele já não coze mais. Tem de se pôr quando ele está cozido. E pronto, deixa-se apurar bem apuradinho, mexe-se sempre para não pegar ao tacho, tira-se, põe-se para as tacinhas, um bocadinho de canela, ou a fazer um raminho ou uns riscos. Bem apuradinho. A gente até põe a colher que ela fique de pé que não tombe, que está feito.

A tigelada é, temos os tachinhos de, chamámos vidrados, daqueles amarelos. Depois dez ovos para cada tacho, bate-se os ovos bem batidinhos, eu bato antes de ir para o tacho. Cada dez ovos leva um litro de leite. Depois bate-se bem batidinhos os ovos, até se pode bater com o açúcar, até estar doce. Depois vai-se pondo o leite e depois acaba-se de bater o leite com os ovos e com o açúcar tudo bem batidinho. E quando estiver tudo bem batido põe-se no tacho e vai para o forno. E depois começa a ferver. Não convém também o forno muito bravo porque então queima. Então começa a ferver e a crescer. Depois a gente vai vendo. Tira o tacho para fora e vê se ela se está a separar do tacho e com um palitozinho também se está húmida deixa-se estar mais um bocadinho. Se não tem assim muita água, que também é bom com um coisinho de água, sim, molho, tira-se. Nós entortámos um bocadinho o tacho mas cuidado não cair o molho para cima dos pés. E se separa já está boa para sair. É um doce bom.