A matança do porco

Antigamente cozia-se a comida para os porcos. Cozia-se a abóbora, cozia-se couves, farinha de milho, coisas do campo, tudo. Aqueles panelões grandes é que se punha depois na comida dos porcos. Depois, em Janeiro, nessas alturas com o frio, matavam-nos, porque era bom para os enchidos. Era mais ao fim-de-semana. Tinham mais vagar para estar a matar, porque cada um que matava fazia lá o seu almoço para as pessoas amigas, para a família. Era bonito.

No dia da matança, matavam os porcos nas quintãs. Havia umas quintãs assim de estrume, de mato. Depois matavam o porco nuns bancos grandes, uns bancos em madeira compridos para o pôr em cima, para depois o limparem e queimarem os pelos nele. Havia aí pessoas, amigos uns dos outros, que sabiam e iam matar. Uns a segurar, outros para o matar com uma faca. Agora é os do talho que os matam.

Depois ia-se aparar o sangue para cozer. Outro era para as chouriças, aquelas morcelas escuras. Aproveitava-se assim o sangue. Então, limpavam-no e dependuravam-no. Ficava a escorrer. Depois era desmanchado para fazer os enchidos e fazerem o que quisessem dele.

Fazia-se umas poucas de qualidades de chouriças. Fazia-se as de carne, as de sangue, o bucho, que leva arroz, e umas brancas - até chamam polme. Chamam polme aqui, mas são farinheiras. As de sangue leva mais as gorduras. Aproveita-se tudo. Havia umas gamelas antigamente e depois punha-se ali a carne. Punha-se o sangue, o azeite e vários temperos: sal, alho, bastante alho, pimenta, cravinho, umas poucas de coisas. As de carne é só assim: miga-se a carne e, então, leva bastante alho, leva azeite e leva colorau. E há quem ponha um bocadinho de vinho. Põe-se-lhe vinho e fica aquele tempero lá de um dia para o outro ou dois dias. Fica o tempero fresco. Também aproveitavam o resto da carne e faziam as tais farinheiras de polme. A gente migava-as miudinhas com as gorduras e tudo e depois punha-se-lhe água a ferver para cima delas e os temperos. Então, punha-se farinha, ia-se mexendo, mexendo, mexendo e aquilo ficava bonito. Depois é que se enchia assim um bocadinho líquida. Às farinheiras brancas, aquelas amarelas, a gente chama-as de polme. Era tão bom aquelas chouriças! Era muito bom para comer com grelos de nabos. Até há duas qualidades. Há umas farinheiras escuras de farinha. Levam a água quente nas gorduras, os temperos todos e depois leva um bocado de farinha de trigo. Depois levam um bocado de sangue para ficarem pretas. Era como se fazia antigamente e agora também ainda fazem assim.

No fim de dois dias, é que se enchem naquelas tripas que há. A gente cortava o tamanho que queria da chouriça e depois amarrava-se-lhe um fio. Depois punha-se aquilo tudo no fumeiro. Umas era a encalar. As de bucho de arroz vão a encalar. E as outras vão para o fumeiro. Ia-se vendo. Quando estivessem rijinhas, tiravam-se. As de carne demoravam talvez aí perto de oito dias a secar, que também não está sempre a lareira acesa. Tiravam-se do fumeiro já sequinhas. Era para comer. Mas guardavam-se algumas em azeite. Em azeite, conservam-se muito tempo e iam-se comendo. Aquilo, às vezes, durava um ano no azeite. Sempre boas. Agora muita gente já põe é na arca. A minha filha, na Guarda, usa muito os enchidos. Agora, o marido é diabético, não usa tanto. Mas ela diz que não põe em azeite. Põem-nas na arca e vai comendo de lá. Congela tudo. E aqui também algumas pessoas fazem assim. Eu agora já não faço, mas primeiro fazia e gostava sempre de as pôr em azeite. Ficam sempre mais tenrinhas. Na arca fica aquilo rijo depois.

Fazia-se também postas de lombo para pôr numa panela já feitas, cobertinhas com azeite e com o molho que se fazia e guardava-se também assim. Os presuntos, esses iam para uma arca cobertos de sal - chamavam a tina - e eram salgados. Depois tiravam-se, limpavam-nos bem e punham-se um bocadinho ao fumo para durar. Era um tempito.

Quando matavam um porco, quase toda a gente, era para casa. Mas havia quem vendesse. Eu agora já nem uso muito essas coisas, porque não posso comê-las. Também, se calhar, já não se criam porcos aqui. Ainda há quem tenha, mas pouco.