“A escola a serrar”

Naquele tempo só aos 7 anos é que a gente entrava para a escola. Não é como agora. Quando vim com o meu pai para a Benfeita, eu tinha um mês ou dois de segunda classe, se tanto. Fui com ordem da professora de ele meter-me na escola no Pisão de Côja. Fica por baixo da Dreia.

Quando chegámos, o camarada que andava a serrar com o meu pai, é claro, que é um por baixo outro por cima, chamava-se Henrique, diz ele para o meu pai:

- “Ó tio Manel, você o seu filho já se ajeita mas é aí bem a serrar, eu vou-me embora.”

E foi. Foi-se embora para a França. Eu fiquei com mais o meu pai, a serrar. O meu pai era serrador e eu também fui serrador. A escola que me deu foi a escola a serrar. Dali trabalhei no Pisão de Côja. Foi a primeira terra que eu conheci. Entre a Esculca e o Pisão de Côja, fôramos para ali serrar.

Daí por uns dias viemos para a Mata da Margaraça. Viemos para a Mata da Margaraça ainda nos tempos que havia uma carreira. Havia o chofer, um senhor chamado Veiga. Umas camionetas daquelas velhas, antigas, uma estrada ainda macadame, para cima para o Monte Frio, quando se vai para cima, para a barragem. Chegámos ali à Mata, eu, o meu pai e mais dois tios meus, mais um outro senhor e outro filho, que era mais velho que eu, tinha alguns 15 anos ou mais. Chegámos lá, para dormir, onde é que a gente tivemos que dormir? Debaixo, lá no caminho de carro dos bois. Porque o fulano de lá não nos deu dormida lá nas palheiras nem nada. Tivemos que dormir lá debaixo dos castanheiros aquela noite. Depois no outro dia o patrão, a gente é claro, reclamamos. Então, arranjou-nos uma casa na Relva Velha. Era uma casa, sim senhora, era uma casa. Até tinha quartos e tudo. O que é não tinha mobílias, não tinha nada. Dormíamos em palha, daquela de centeio. Comprámos uma faixa e dormíamos ali todos juntos. Eu comecei logo a dormir no meio dos homens. Com 9 anos, fiz logo 10 lá na Mata. Serrámos lá 100 pinheiros. A gente trabalhámos lá talvez aí dois meses, à roda disso.

Uma vez perdi-me lá na Mata. Eu era garoto. Pelos pinheiros é que eu conhecia. A caírem-nos os pinheiros. Eu vim à água, cá para baixo, ainda andávamos em cima. O que é que acontece? Perdi-me. Mas depois, com o som dos pinheiros eu lá fui. Fui, fui e lá fui ter. Lá por o meio daquelas silvas.

Acabámos de serrar os 100 pinheiros, viemos para o Sardal. Para um sítio chamada Cruz do Bujo. Ali também não tínhamos casa. Fizemos uma cama em caruma. Eu é que fiz a cama. Dormíamos todos ali. Dormíamos vestidos, porque senão se dormíssemos nus a caruma picava a gente toda. Só com as mantas por cima. A coruja por cima de nós era assim: gruuu, gruuu, gruuu, ahh ahh ahh.