“Vender fruta com umas gigas”

Depois, fui para a venda da rua. Era negócio a vender fruta com umas gigas. Tirei uma licença à Câmara de Lisboa e ia vender. Se uma pessoa não levasse licença, era multada. Comprava a fruta na Praça da Ribeira, lá em baixo ao pé do Tejo. Há lá uma praça quando se vai para Algés, lá para baixo para o Dafundo ou para a Cruz Quebrada. À esquerda, entre o rio e a estrada, há ali uma praça. Há uma em cima com outro piso, mas esse é de vender ao quilo. A outra vende ao cabaz. Vão-se lá sortir. Ia às seis horas da manhã, mais ou menos. Às seis, tinha que lá estar na Praça para comprar para ir para a rua vender.

Depois, ia vender pela rua fora, direito à Rua Artilharia 1, Bairro Alto, Arco Cego, por aquela parte toda de fora. Levava a fruta em dois cabazes com um pau. Dois cabazes redondos. Levava ali ao ombro dum lado e doutro e levava as balanças penduradas e os pesos. Se fossem 20 quilos, eram 20 quilos, se fossem 30, eram 30. Era conforme o que se comprava. No tempo dos morangos, eram cabazes daqueles pequenos de quilo e meio, 2 quilos. Levavam-se dois ou três à frente amarrados com um baraço, outros três à retaguarda e levavam-se, vendiam-se. Depois, apregoava a fruta na rua por aí acima: se fosse bananas, era “bananas”, se fosse pêras, era “pêras”. Apregoava-se “pêra”, “boa pêra”. Mas havia garganta. Agora já não há garganta. Agora trago dentes postiços. Uma pessoa nem pode falar. Os de baixo não os trago. Tenho-os ali. Não consigo falar bem. Agora quando uma pessoa é nova, é outra vida. Naquele tempo fazia-se tudo. Tinha que ser assim. A idade assim o permitia. Ora agora não. Isto agora é diferente, muito diferente. Depois, dava a volta, vendia e pronto, ia-me embora para casa. Aí à uma hora, mais ou menos, conforme, já estava em casa. Tinha jeito para o negócio. Se não tivesse, também não podia lá andar. Aquilo não custava nada. Aquilo é vontade é de trabalhar. A pessoa, em tendo vontade de trabalhar, trabalha. Não tendo vontade, não trabalha. Eu trabalhei sempre, toda a minha vida. Não era mandrião.

Andei lá quase um ano. Já ganhava bem. Ao fim já havia dinheiro: 90, 80, 100, 110... Naquele tempo, era muito dinheiro. Era conforme se comprasse a fruta, porque a gente não vamos agora dizer assim:

- “Vamos ganhar isto, porque tem que ser.”

Uma pessoa tinha que comprar a fruta barata. Se comprasse barata, ganhava dinheiro. Se a comprasse cara... E é assim a vida.

Depois, vim para cá para a Benfeita.