“Primeiro que uma pessoa ainda aprendesse a língua”

Tínhamos em África quatro casas de comércio bem conhecidas. Casas melhores que qualquer uma aqui na Benfeita. No Chiúre, era à sociedade com gente de cá. A do Metorro é que era só minha. Comprei-a a uma senhora que viuvou lá, que era ali do Minho, Trás-os-Montes. Depois, fiquei com a casa e essa era só minha. Tinha uma em Ancuabe, que também era só minha. E tinha outra lá num cruzamentozito. Andámos para fazer uma em Montepuez, mas, depois, já não chegámos a fazer. Já tínhamos lá o terreno, mas o meu marido morreu.

Em casa, tínhamos o preto. Ia fazer o comer, lavava a roupa, fazia-nos as camas. A gente estávamos no comércio, a atender. Eram casas grandes. Vendíamos tudo! Panos, tudo que era de peixe, peixe seco, polvo seco, açúcar, arroz. Tudo para os pretos. Mas tudo era bom. Só o peixe é que era seco. Um dia, digo assim ao meu marido:

- Oh! Vamos hoje também experimentar um bocado de polvo.

Era polvo seco. No lugar de ser tenro, era seco. Tínhamos, então, recebido do Ibo. Mandei lavar bem lavadinho, bem escaldadinho. Depois, fiz arroz com o polvo. Estava mesmo bom.

Primeiro que uma pessoa ainda aprendesse a língua... Ao princípio ainda custou um bocadito, que era para conhecer a pronúncia deles. Mas, depois, aquilo foi indo, foi indo, nada custou. Tive de aprender, porque eles falavam macua. Bem, mas nós tínhamos lá um rapaz, dentro do balcão, que falava bem português, que ensinava a gente. Fomos aprendendo com ele e lá atendíamos os pretos. Ele estava lá sempre à nossa beira a dizer como é que a gente havia de fazer. Foi assim que a gente aprendeu.

Outros também eram maus, mas eu não tenho que dizer. Só um dia dei lá umas quatro cacetadas a um preto, porque roubou-me um saco de castanha. Depois, estava lá a polícia preta:

- “A senhora agora pegue neste pau e dê-lhe duas cacetadas aqui no rabo, no cu.”

E eu dei-lhe. Mas, depois, até fiquei arrependida.

Andavam lá aqueles monhés. As nossas casas eram ligadas. Quando era no tempo das castanhas ou do amendoim, punham-se cá fora, na rua, a pegarem numa peça de pano, cortavam aos bocados e davam aos pretos, que passavam com a mercadoria para vender. Eles eram interesseirões. Eu, do meu lado, não dava nada. Do outro lado, até atiravam dinheiro para o chão, para eles apanharem, que era para irem revender a mercadoria a casa deles. Eu digo assim:

- É hoje. Amanhã já não fazem assim.

E assim foi. E fomos indo e aprendendo. Ah! Era uma vida boa.