“De réguas pouco levei”

Às vezes, a professora tinha uma vara comprida para quem não sabia. E as réguas? A gente estendia a mão, uff, muita vez encolhia para trás. Ai a nossa vida. Eu, nunca. De réguas pouco levei. Mas as minhas colegas levavam. Eram mais burras do que eu, não aprendiam tão bem… Eu, graças a Deus, aprendia bem. Não me custou nada fazer a terceira classe. Aos 10 anos, saí. Já tinha a terceira classe. Estreei um vestido muito lindo para fazer o exame. Era de crepe da China, um castanho muito clarinho. Nessa altura, já levei uns sapatitos. Os primeiros sapatos que eu tive comprou-mos um irmão meu em Coimbra. Custaram 70 escudos. E o meu pai podia-os comprar, mas teimou, não os quis comprar. Um irmão meu é que puxou por o dinheiro, é que os comprou.

Antigamente, o exame da terceira classe era aqui e o da quarta classe era em Arganil. Eu é que acompanhava os meus irmãos a Arganil em todos os exames. Todos apanhavam a distinção. Antigamente, faziam a prova escrita e depois faziam a prova oral. Quem ficava bem ficou, quem ficava mal, ficou mal. Depois, levávamos o farnelzinho num cesto e comíamos uma buchazita. Muitas vezes, ia-se a pé. Outras vezes, ia-se de carro. Já havia carros na altura. Íamos pela Esculca, Bocado, aquelas terras todas, aí umas três horazitas ou duas e meia eram capaz de demorar, mas os caminhos também não são como agora. Eram caminhos mais reles.

Depois, podia fazer a quarta e até para mim era bom, porque a quarta classe é como agora, com certeza, o quarto ano ou mais. A gente sabia Geografia, dos reis, dos poetas, essas coisas todas. Sabíamos tudo. Mas o meu pai não me deixou ir mais, porque precisava de mim. Paciência. Tive que aprender dando pela minha cabeça. Era assim a vida. Também, naquela altura, não se pensava o que se pensa agora. Por acaso, a quarta classe fez-me muita falta para o comércio e para tudo. Sabia o que sabiam as minhas colegas, mas elas fizeram a quarta classe e eu não fiz. Como comecei logo a trabalhar na loja, sabia fazer contas. Ainda hoje sei, graças a Deus. Foi com a continuação. Em África também era a mesma coisa. Punha tanto duma coisa, tanto de outra, tanto de outra. Quando chegava ao fundo, já sabia quanto é que dava a conta:

- Olha, já sei quanto é!

Tinha uma cabeça de ferro. Tinha prática. Mas agora já não faço.