“Trabalhava-se muito”

Os meus pais eram da Benfeita. Eram António Francisco Nunes e Assunção de Jesus. Quando nasci, já eles tinham o comércio. Faltou pouco para eu nascer dentro do balcão! Faltou poucochinho, porque à minha mãe deu-lhe as dores de repente e ia-me tendo dentro do balcão! Depois, quem me criou não foi a minha mãe, foi a minha madrinha. Quando eu já ia fazendo alguma coisinha, é que a minha mãe me lá foi buscar.

O meu pai também era comerciante. Quando se casou, já era. Tínhamos uma loja de comércio. Era de tudo: de construção, de mercearia, peças de pano… Ele viveu cá sempre na Benfeita, mas fazia a carreira daqui para Coimbra num carro de bois, quando era solteiro. Depois, casou-se. Tinha duas mulas, comprou umas carroças, uma galera. Uma galera eram duas mulas e era o feitio de uma carroça, mas mais sobre o comprido e tinha um coberto por cima de zinco. Aqui, em volta da Benfeita, levava sempre tijolo, areia, aquilo que precisavam para as obras. Quando era assim do tempo que se botavam os porcos, vinham cá encomendar 4 e 5 alqueires de sal. E o meu pai lá levava à terrazinha onde matavam os porcos, ao Sardal, ao Enxudro. E não eram caminhos como agora. Eram caminhos de cabras. Foi assim. Eram uns tempos desgraçados. Trabalhava-se muito.

O meu pai começou a fazer essa carreira para Coimbra com as mulas e com a carroça. Ia buscar mercadoria. Não é como agora. Tinha que se perguntar as coisas. Os panos comprava na Sociedade de Fazendas e a mercearia comprava sempre num armazém certo. Mas, às vezes, eles também erravam e ele ia a outros. Depois, gritavam com ele por ir comprar a outros, que era para saber os preços uns dos outros. Ele ia segunda de madrugada e na quarta é que vinha. Parava na Raiva, perto de Coimbra e em São Martinho para as mulas descansarem um bocado e para lhes dar comida.

Ali antes de chegar à Raiva, havia uma encostazinha na estrada, assim um bocadinho a subir e a descer. Um dia, caiu lá a mula e morreu. A mula nem era do meu pai, era do meu avô. Mas o homenzinho pouco dinheiro levou por a mula. Ela ia muito bem. Nisto caiu para o chão. Caiu mal e morreu. Aquilo não se esperava. Depois, o meu pai teve que vir para a aldeia e arranjou outra mula para vir cá trazer as coisas. Levou-a para baixo à rédea e de lá é que a conseguiu pôr na galera. Veio, então, para aqui com a mercadoria. Mas não era esta estrada! Ali, à entrada da povoação, estão umas oliveiras e há uma estrada que até passa uma pontezinha. Vinha por aquela estrada “pia cima”. É tudo a subir. As mulas pouco podiam arrancar. Depois, chegámos aqui ao meio da povoação, arrastavam-lhe a carga. Outras vezes puxávamos nós para cima a chover. Era assim a vida. Uma vida muito desgraçada.