“Era de sol a sol”

Comecei a andar no dia fora aos 12 anos. Oh, foi uma vida de escravidão que eu apanhei. Andava a acartar materiais para as obras. Tinha de ajudar a ganhar alguma coisa. Naquela altura, havia muita terra para cavar, muito milho para sachar, muita azeitona para apanhar, muitas coisas. E a gente também íamos para o dia fora, para aquelas pessoas que tinham essas coisas. Tinha que se aproveitar. Essas pessoas tinham muito que fazer e pagavam. A gente andava meio dia, ganhava 7 e quinhentos. Mas era de sol a sol. Não era como agora às horas. Oh, oh! E ganhava igual aos outros, que eu também não ficava atrás delas! Podiam ir maiores mas eu, com os carregos, não ficava atrás. Eu fui sempre rija. Agora é que não. Agora é que estou de todo.

Tinha eu 15 anos quando fui para Aveiro. Estive lá dois anos e meio. Depois, vim fazer os 18 em Coimbra. Eu andava na costura, a aprender a costura, as minhas irmãs andavam as duas na escola e a minha mãe estava num armazém. Tinha uma frutaria em Aveiro. O meu pai andava com um carro a entregar as encomendas das bananas para fora.

Depois, vim para aqui. Fiz 18 em Coimbra a 31 de Maio e depois estive lá os dois anos e meio. Vim para cá o dia 1 de Agosto, mas já tinha 20 anos. Fiz os 20 anos em Maio e depois vim o dia 1 de Agosto. No dia 24 de Setembro casei-me e cá fiquei, também, na mesma vida.

Nessa altura, havia lá uma modista mesmo pegadinha ao armazém das bananas. Eram lá conhecidos, que o meu pai já lá estava. Depois, como eu não tinha que fazer, ele meteu-me lá. Tirei o corte de costura. Primeiro, aprendia a fazer a costura nos acabamentos e nessas coisas todas, depois, tirei o corte. Só lá andava eu e uma rapariga.

Já eu estava em Coimbra quando comprei a minha máquina de costura. Portanto, já foi aí com 18 anos. E já era em segunda mão! Um primo meu, que eu tinha em Lisboa, tinha lá uma oficina de máquinas. Ele é que ma mandou para Coimbra. Ainda aí está. Funcionou sempre bem. Comprei uma para a minha filha, que ela já faz pontos, mas eu amanho-me bem é com a minha. É com os pés, a pedal. Nunca teve motor. Já veio assim. Não enferruja nada. Também tenho um bocadinho de óleo para lhe pôr de vez em quando, para ela andar mais levezinha.

Depois, quando fui para a aldeia, ainda trabalhei muito. Não precisava cá de ninguém para me ensinar, que eu sabia bem. Fazia o que me mandavam. Todas as semanas, vinha para a minha prima, que ela tem ali uma lojita de fazendas, dois meios dias. Era desde as duas horas até à noite. Se fosse de manhã, era do luzeiro do buraco até ao meio-dia. Ela andava por fora e eu fazia aventais, ceroulas e cuecas para os homens, para ela andar por fora a vender. Aqui era só aquelas coisas. Mas fiz para aí muita costura. Blusas, saias, muita coisa. E ainda cá fiz um saia e casaco e um vestido de casamento para os Pardieiros. Tinha talvez 22, 23 anos. Trouxeram o figurino para eu fazer e eu fiz conforme lá vinha. Mas eu por uma blusa levava 6 escudos! Então era bom negócio? Era agora! Não dava para nada. Mas, se não ganhasse nada, ainda menos era. Ainda se comprava 1 quilo de arroz e 1 quilo de açúcar. O meu marido era barbeiro. Mas ele ganhava dinheiro? Ele trabalhou foi para encher o patrão e o filho. Só levava era milho para casa. Eles tinham esta gente toda, estes fregueses todos, mas não pagavam. Hoje vão fazer um corte de cabelo e pagam. Naquela altura, não. “Justavam”. Era um tanto por ano. E aqui, quando iam dar a volta no São Miguel, quase tudo tinha milho e pouca gente pagava a dinheiro. Não havia dinheiro, davam 1 ou 2 alqueires de milho. Quando pagavam a dinheiro, o patrão é que o arrecadava e eles, coitados, levavam era milho. Enchia uma arca cheia. Ao menos criava porcos e comíamos broa com fartura.