Barbeiro, não enfermeiro

Trabalhei sempre no campo e também fui barbeiro. Fazia na terra e corríamos as terras da freguesia. Íamos servir os fregueses, era eu e mais dois barbeiros. Já morreram. Um era António Francisco Rosa e outro chamavam António Moço, era António de Oliveira. Íamos às Luadas, Pai das Donas, Sardal, Enxudro e Pardieiros. E depois regressávamos à Benfeita. Comecei depois de sair da escola. Comecei a aprender essa coisita. Depois lá fui andando. Aprendi com um homem, chamavam José Augusto da Fonseca. Era o José Maria. Com esse é que eu aprendi alguma coisa. Depois ele morreu, e arranjei outro patrão. Esse, o António Mina, esse também é barbeiro, andei por conta dele. O pai dele é que era o patrão. José Augusto Martins Pinto, era o pai desse António Minas. Depois ele também deixou, acabou-se tudo. Mas corríamos essas terras todas aí, tudo. Mas eu era só a fazer a barba. Não era enfermeiro. Isso não. Isso não percebia eu.

Íamos a pé. Às vezes, a chover para cima de nós. Saíamos às quatro horas da noite, e às vezes, às três, para estas duas terras daqui, Luadas e Pai das Donas. Depois vínhamos para a Benfeita, comíamos alguma coisa e íamos para o Sardal, Enxudro, a pé. Depois para os Pardieiros. Chegávamos a casa, às vezes, era meia-noite, uma hora quando chegávamos. Era à sexta-feira, dávamos essa volta toda. Sábado íamos à Dreia e era na Benfeita. Era a trabalhar todo o dia. Na altura era tudo à pobrezinho. Não havia cá lãzudos como há agora. Agora andam lãzudos já não é preciso barbeiro para lhes cortar o cabelo. Pagavam ao meu patrão um alqueire de milho, todo o ano, para fazer a barba e o cabelo, pagavam um alqueire de milho. Custava, nessa altura, a uns 20 ou 25 escudos, ou 30 que fosse, um alqueire de milho. Todo o ano.

Tínhamos um casaco para trazer a ferramenta, duas máquinas e uma lata com sabão e as navalhas para afiar. E tesouras para cortar o cabelo e o pente. Era o que levávamos. Toalhas não havia, eles é que lá tinham toalhas. Na barbearia, havia uma barbearia na Benfeita, o patrão arranjava as toalhas, mas lá para fora não levávamos. Fazíamos o trabalho onde os encontrávamos. Era onde podia. Se andavam na fazenda, fazia-se na fazenda. Se estavam em casa, íamos fazer em casa. Mas lá nos Pardieiros, também se juntavam numa casa à noite, vinham do trabalho e à noite é que regressavam. E nós ficávamos á espera que eles viessem. Agora no Sardal e no Enxudro era no campo. Passávamos no campo, andavam enterreados na terra, era tudo de qualquer maneira e feitio. Tudo ficava bem. Eles não eram dos culposos. Era de oito em oito dias que nós lá íamos.