Infância difícil

No campo, cavávamos a terra para semear o renovo. Semear milho e o feijão, e claro, as batatas. E tínhamos de ir ao mato, não era bem para o curral, a loja onde estavam os animais, o gado, tínhamos de ir buscá-lo às costas. Cavava terra, todos os anos, na altura da sementeira, cavar terra para o renovo. Isso foi depois de sair da escola. Bem, mesmo quando andava na escola eu tinha de ir para lá. Mas depois de sair da escola, que já tinha mais idade e mais corpo é que era todos os dias. Quando não aparecia um diazito para andar o dia fora para ganhar alguma coisita. Que isto era tudo pobre, não havia dinheiro e à noite e de dia todos tinham de morfar alguma coisa. Na altura ganhava uns 8 ou 10 escudos por um dia inteiro, de manhã à noite. Aí todo o dia. Saíamos, às vezes, de casa para rachar lenha, agora já não é preciso, agora já ninguém racha lenha, mas com um machado nas mãos, de manhã à noite. Saíamos aqui de noite e não rachávamos só para nós, era para outras pessoas que nos falavam, de manhã à noite a rachar lenha. De manhã até à noite, todo o dia ali. Às vezes, davam um copito de vinho ainda para animar a gente.

Às vezes, jogávamos aos murros uns com os outros, era conforme calhava. A ver qual é que tinha mais força. Brinquedos não havia. Não havia para comprar nada. Nessa altura, não havia brinquedos. Hoje muitos têm o que querem e o que não querem. Mas, naquela altura, havia algum dinheiro para alguma coisa? Quando andava na escola, às vezes, para pagar a caixa, pagávamos um “x” para a caixa escolar, e o dinheiro? Nada. Pagávamos aos três e aos cinco tostões que a gente pagava e nem isso, às vezes, aparecia lá em casa para levar para a escola. Era tudo uma miséria.