“Não fui para a escola”

Éramos cinco filhos, quatro raparigas e um rapaz. Vivíamos mal. Coitados, os meus pais não tinham dinheiro, não tinham reforma nenhuma. Eles só podiam viver da fazenda e passavam mal. Às vezes, passavam só com um bocadinho de broa e uma pinga de vinho. Uma malga com a broa sem açúcar, nem nada. E a sopa era má, sem mistura, era só com farinha. Nem contavam histórias! Não, eles não eram amigos assim de contar nada. Mas não eram maus comigo! Nunca me bateram. Eram bons. E os meus irmãos também nunca me bateram. Éramos muito amigos! Ainda hoje somos muito amigos. Eu brincava aos domingos ou nos dias santos, nos feriados. Jogávamos à bola com panelas, com cântaros. Eu estava num lado, uma jogava a panela para outra rapariga. Era uma data delas à roda. Quando a panela caía ao chão, partia e ríamos! Eu não fui para a escola. Não cheguei a ir. A minha mãe não me deixou. As minhas irmãs também nunca foram para a escola. Não quiseram. Só o meu irmão é que foi para a escola do Sobral Magro. Recordo-me que ele ia a pé para lá. Os meus filhos já foram à escola. As minhas filhas chegaram a andar na escola da aldeia. E ao fim dali foram para a escola do Piódão. Era longe. Coitadinhos. Tinham de vir buscá-los e levá-los de carro. Naquela altura já havia carro. Vinha um homem do Piódão cá buscá-los, porque o Estado pagava-lhe.