Uma Páscoa tradicional

Na Páscoa vinha o padre a casa. Vinham os sacristães, vestidos com umas batinas para pedir dinheiro para os santos e para levarem o folar. O padre benzia casa e benzia as pessoas que estavam na sala para assistirem ao senhor. E havia essas festas de igreja.

Havia a Morte do Senhor. O Suplício do Senhor e vinha-se para a rua também. O dia que era Sexta-feira Santa, vinham aquelas cerimónias da Sexta-feira Santa. Vinham os andores. O meu genro também chegou a ir fardado. Quer dizer, eles faziam o papel muito bem, muito bonito. Ele vinha a pé.

Na Sexta-feira Santa a minha filha até chegou a ir para o altar. Parecia um anjo de cera. Era miudita, mas ia bem proporcionada. Graças a Deus, saúde ela tinha. Então, chegaram-na a levar para um altar-mor, assim onde põem o Senhor às vezes... Na cidade não há muito disso. Tem assim uma abertura onde tem coiso que eles descem e sobem, um painel. Então levantam para cima. Quando era nas festas do Senhor, vinha o Senhor que desarmavam na capela que há aqui na Benfeita. Traziam o Senhor dos Passos com a Cruz às costas e o senhor ia lá para cima. E aquela ia vestida de anjinho, a minha filha vestida de anjinho. Com umas asas brancas. Tinha uns bracitos muito delgadinhos. Não sei como era que o cálice era forte, mas ela tinha uma devoção por olhar para o Senhor que os olhos fixados no Senhor. Ela usava os canudos muito bonitos. Ela tinha um cabelito escuro e uns canudos. E a branquidão dela, a pele dela parecia cera e ela com os olhos fixos, que não se moviam, a olhar para o Senhor. E com o cálice a aparar o sangue do Senhor. Esteve ali, foi de tal maneira que chocou as pessoas aqui das aldeias, as velhas choravam. Nunca tinham visto uma coisa tão bonita. Parecia que ela era uma imagem de cera que ali estava. Mais tarde quiseram a minha Graça Maria. A outra filha que eu tenho no Pisão, mas essa era muito traquina. E ela também foi. Esse já era outro padre. Digo assim:

- Escusa de levar a menina que ela se me vê na igreja ela começa-me logo a dizer adeus. Teimaram até em a levar juntamente no mesmo andor e ela dizia adeus. Foi lá para cima. Ela pegava no cálice, olhava para toda a gente para ver se estavam a fazer pouco dela. Era traquina que se fartava. Mas a outra não. Parecia uma imagem. Tal e qual que ali estava. Depois mais tarde chegou a cantar também as Três Marias, já quando era mais crescidinha, também ia. E a outra ia vestida de anjo. Andaram assim sempre e participaram sempre em coisas de igreja.