“Sem ir a mestra o cortiço também não valia nada”

Eu cheguei a ter cortiços de abelhas, mas hoje já não tenho nada disso. Ainda cheguei a fazer os enxames. Eu tinha tanta vontade daquilo que ainda cheguei a fazer. Quando a gente quer tirar um cortiço, emboca um cortiço com o outro. Depois é preciso assobiar por modo de elas correrem umas atrás das outras. São engraçadas quando começam a correr de um para outro cortiço. Os donos ficam a assobiar dos lados e a batucar dos dois lados do cortiço e elas iam aos montes para dentro do novo cortiço. Era preciso conhecer a mestra, que sem ir a mestra o cortiço não valia nada. Podia ir muitas abelhas, mas se não fosse a mestra já não valia. Morria tudo. Ela conhece-se, porque está no meio delas, das filhas. Quando a víamos passar, dizíamos: - “Olha, já passou a mestra.” Há cá pessoas que não foram capazes de saber como se fazia a criação de abelhas. Mas com os antigos, com os velhos, eu tinha vontade de aprender e ia para o pé deles. Gostava daquilo. Às vezes, até perdia tempo. Perdia tempo por modo de estar a ver os cortiços dos vizinhos. Até que cheguei a dizer ao meu marido, quando foi para Lisboa, que comprasse uns cortiços. E ele disse que sim, que os comprava: - “Eu compro-tos para modo de batucares. Sabes batucar, eu compro-tos. Comprou-mos, mas ao fim morreram. Hoje já não tenho. A gente batucava no cortiço que ia tirar o enxame. Tinha um cortiço a embocar noutro. E a gente estava a batucar dos lados para as abelhas descerem para a boca do cortiço, em baixo. Era engraçado. A gente fazia a casa das abelhas num sítio quente. Punha uma laje por baixo e embocava lá o cortiço, só punha umas pedritas em volta para as abelhas entrarem por baixo, poderem vir cá fora e voltarem a entrar. Por cima eram precisas duas lajes e embocar a laje no fundo e pôr aquilo para elas entrarem. E a laje por cima era a telha do cortiço. O laje pertence ao cortiço, em estando lá as abelha dizem que não podem tirar sem ordem do dono, porque a laje é a telha da casa da abelha No fim, era aberto o cortiço, arrancavam-no para cima, que era posto com vidros. Arrancavam-no e tiravam a laje e, por dentro, já tinham então um caldeiro para tirarem os favos. Podiam tirar até metade do cortiço. O cortiço podia estar cheio, mas só podiam tirar o mel até ao meio para as abelhas se alimentarem. Ainda fiz isso algumas vezes. Hoje já não faço porque também já não posso, nem tenho. Deixei-as morrer. Mas naquele tempo eu julgava que não me ia faltar a força, mas faltou-me.