“Valha-me Deus o que a gente passou, naquele tempo”

Naquele tempo não havia luz, veio mais tarde. Era candeeiros de petróleo e aqueles que o tinham. Naquela altura parece que se via mesmo às escuras. Agora só com um bom candeeiro, naquele tempo não, havia umas lampadazitas das de algibeira. Chegávamos a casa para comer, a família era, às vezes, com uma lenhita para dar uma claridadezita, umas pinhas. Valha-me Deus o que a gente passou, naquele tempo!

Naquele tempo não havia água em casa, tinha que se ir buscar aos chafarizes, e poucos. Tinha que se ir longe buscá-la, onde ela estava, a uns chafarizes que havia. Era nessa altura que as pessoas se encontravam. E era onde havia os tais namoriscos. Havia uns cântaros de barro e depois as raparigas iam para ali e havia nascentes que estavam fracas, mais tempo lhe demorava a encher o cântaro. Era quando aproveitavam mais tempo a namorar, que os pais estavam em casa. Isto deu uma volta muito grande.

Para regar os campos havia nascentes nas fazendas, havia essas presasitas que chamavam poças. Juntavam ali as águas e depois regavam.

A água estava dividida, tal dia é fulano, tal dia é sicrano. Senão ninguém se entendia. Às vezes, ainda havia confusão. E quando andava por partir a água, quer dizer havia uma ou duas que andava ao leilão e noutras alturas dividia. Mas, às vezes, antes de ser dividida ainda havia até porradiço! Havia pessoas que não entendiam bem as coisas.

Na minha terra nunca se regou de noite que havia sempre água com fartura e não havia coisa para isso. Mas, havia muita terra da freguesia que regavam de noite. Até na terra da minha mulher, às vezes, eu andava na floresta, chegava a casa, lá vai a gente pegar num candeeiro para a fazenda. Uma vez fui lá um bocado para regar, para alumiar à minha mulher, a derramar água lá no milho, de repente caio ao pé dela, com o sono. Ah, eram tempos desgraçados.