“Ai que noiva tão chalada”

Acabei por casar com o meu marido. Digo assim então: se ele não me era nada, apresentou tanto amor enquanto eu estive doente tem uma filha inválida com 7 anos, eu não posso fazer isto. Amor com amor se paga. Eu não gosto dele mas tenho que me casar. Fui casar.

Estavam já os convidados do casamento que eu estava para fazer, estava já tudo estipulado quem havia de convidar isto. Quando disse que ia casar com ele, a minha mãe infernizou-se de tal maneira, eu levei um murro nos queixos, ainda devo ter uma cicatriz, que ela me deu com um anel que tinha. Deu-me por causa de eu fazer aquilo. Mas é claro eu olhava de uma maneira diferente a vida. Olhava diferente da minha mãe porque eu queria tudo certinho. Fui casar com ele, mas não gostava dele.

Já não levei vestido de noiva. O segundo fato foi feito até onde eu andei de aprendiz porque eu andava a trabalhar e não tinha tempo. Eu bordei então o forro do casaco. Comprei um mais reles, do cetim que eu tinha para forrar o casaco. Era um cetim que havia, eu fiz uma blusa toda com umas bainhas abertas aos quadrados, para ir para debaixo da blusa. Mas eu tinha que levar uma flor de laranjeira. Era o que me faltava! Foi então uma flor de laranjeira que tinha servido para uma rapariga que se tinha casado. Eu não sabia se ela mereceu a flor de laranjeira ou não, mas eu achava que merecia a flor de laranjeira. Casei-me, mas a minha mãe só me atirou para os pés, não foi à mão, 50 escudos para eu comprar uns sapatos. Os sapatos para eu levar para o casamento. Tive que comprar uns sapatos abotinados, que nem era jeito de casamento, mas pronto eram aqueles e lá os comprei por aquele preço para levar ao casamento. Levava então aquilo assim. Como eu ia muito à missa na baixa eu levava então um véuzito, mas o véu era preto, rendado, um véuzito que eu tinha para levar à missa. E levei. Depois também quis um ramo de belas portuguesas, eram umas rosas que havia todas brancas e levava. Era uma noiva tão querida que quando passei na Rua das Farinhas, os miúdos que estavam a ver aquele casamento disseram assim:

- “Ai que noiva tão chalada.”

Nunca me esqueceu dessas palavras. Realmente eu sabia que ia chalada, não podia levar ninguém a mal. Mas o que é que eu quero? Não podia ir de outra maneira. Eu entendia que a minha florzinha de laranjeira e o meu ramo tinham que ir. O resto não me interessava. E tinha a minha a consciência a acompanhar e fui.

A minha mãe, quando eu estava para sair de casa:

- “Está com pressa. Está com pressa.”

Eu cheguei lá em baixo e começa o noivo.

- “Já devia ter vindo, os padrinhos já lá estão.”

- Bonito serviço uns ralham por eu estar com pressa e outros porque eu não cheguei antes.

Mas calava-me. Eu era assim caladita. Via aquilo, não gostava, mas associava-se sempre para não estar a falar mais alto.

No dia do casamento ouvi missa por alma de um morto. Lá casei. Casei com o meu marido sem gostar dele.

Ele não quis dizer nada ao patrão. Também ficou revoltado o patrão por não saber que ele se ia casar e de eu lá estar e ele não dizer nada. Mas ele tinha aquele feitio. Eu ia casar com ele, ele é que mandava não era eu. Fomos para o Parque Mayer. Ele comeu uns camarões e eu comi uns caranguejos e um pirolito.

- Eu não quero mais nada.

Não queria que ele gastasse muito dinheiro. Foram uns caranguejozitos e um pirolito. Foi verdade. Foi assim o meu casamento.