“Não faltava aos bailaricos”

Eu não faltava aos bailaricos. Tinha mais alegria do que hoje. Nesses dias de festa juntavam-se e mandavam vir o padre e a missa. A missa diziam-na e quem quisesse dar alguma coisinha para a ajuda dos santos dava e rendia dinheiro. E no fim do jantar iam fazer o baile neste outeiro. Ai, eu comia à pressa por modo de ir à mocidade. Mas por causa da roupa, eu dizia assim: - Vocês se não me compram uma roupa nova, eu lavo esta e vou à mesma. E olhe que eu não receio a um par. Não me falta lá par, mesmo com a roupa velha. E ia à mesma. As minhas irmãs, que eram já da segunda mulher que o meu pai teve, essas foram boas para mim. Ainda hoje tenho pena delas, porque havia irmãos legítimos que não eram tão amigos como nós éramos. Elas diziam assim: - “Ó pai, você tem que lhe comprar roupa nova. Sabe que andam a dançar nos bailes e a roupa de baixo vê-se muito e parece mal.” Foi assim que me compraram uma combinação, com o feitio ainda de gomados. Passado um ano, a combinação era curta e tiravam-lhe um gomo, ou outro ano já está mais curta tornavam-lhe a tirar outro. E as minhas irmãs diziam assim: - “Ó pai, você não a segura dos bailes. Parece mal, então as demais andam de roupa nova, com roupa lavada e você não a segura. Ela já diz que não se importa.” As demais raparigas naquele tempo todas tinham um xaile. A moda era um xaile de merino e um lenço chinês, que ainda hoje há-de haver quem use. Nada disso usei, mas olhe que não fiquei por casar. Mesmo assim com o lenço, umas vezes não o levava que já era muito velho. Penteava-me e lavava-me. Aparecia e chegava ao pé delas toda fresca e arranjava logo par. Mesmo com a roupa usada, não me faltava lá par. E às demais, às vezes, com roupa nova ficavam a olhar. Mas era tudo contra os meus pais. E elas diziam assim: - “Você tem que lhe comprar alguma coisa, porque você sabe que não a segura dos bailes. Então, ela vê lá andarem as demais e é uma vergonha para você, assim e assado.” Elas foram muito boazinhas para mim e diziam-me: - “Deixa estar que hei-de ver se lhe tiro o dinheiro. As demais já tem uns lenços chineses e tu não tens. Eu vou à feira de Avô e se ele me der o dinheiro deixa estar que eu nem lhe trago o dinheiro, hei-de gastá-lo num lenço para ti.” Uma combinação, a mesma coisa. Tive aqui uma irmã, que morava aqui logo pegada a mim, essa dizia assim: - “Se não lhe dá o dinheiro da combinação, deixa estar que há-de vir uma combinação boa. O pior é para lho tirar, ele não dá. Se ele me der hei-de trazer coisa boa.” No fim, ela comprou-me uma combinação que se podia ver, tanto que foi a do meu casamento e não comprei melhor. Há gente que não se dá bem com combinações, mas para mim foram boas. Às vezes, levava uns chinelos calçados para o baile. Quando sabia que havia baile, às vezes, aos domingos, lavava os chinelos e, às vezes, ficava à rasca por modo de os enxugar e poder levá-los. Com as saias fazia o mesmo. Suja nunca para lá fui. Também tinha vergonha, mas a com roupa lavada fui muita vez, quando as demais iam com roupas boas. Não tinha quem mas comprasse, mas ia mesmo assim.