Episódio - “Bucha de bacalhau”

Uma vez, os meus pais puseram-me na bucha uma posta de bacalhau. Calhou lá um ano ou outro comprarem um bocado de bacalhau e depois puseram-me num saquito para levar para comer na escola. E na escola havia uns cabides em volta na sala de entrada, onde a gente botava a bucha. Eu não chegava ao cabide, tanta vez botei o saco com o braço e ele não ficava pendurado, então pousei-o no chão. Saí da escola, do quadro para fora, e fui comer. Ai o saco, que é dele? Ou que a senhora me castigasse, me apanhasse o saco, mas eu era pequena, ou até a porta estava aberta e fosse algum cão e cheirasse aquilo e me levasse o saco pela porta fora, nunca mais vi o saco da bucha. Quando cheguei para comer, estava tudo a comer o que tinha nos cabides, e eu disse assim: - Então, a minha bucha não está cá. Mas ainda tive uma rapariga lá no Sobral, que era de Lisboa, uma rapariga já alta a fazer os estudos que viu como eu fiquei e disse: - “Anda comigo que eu dou-te a bucha.” Nunca me esqueceu. Era assim miúda, mas disse: - Por todo o lado há gente boa. Aquela miúda, que já não era miúda, disse: - “Anda, vens comigo que do meu prato comes tu. Comes ao pé de mim.” E eu disse: - Olha, obrigada. Fico-te mesmo agradecida, mas agora também em breve me lá ponho em casa. Tinha vergonha de ir com ela e dar despesa à rapariga. E disse assim: - Olha eu agora também em breve me lá ponho na minha terra. Mas eu sem nada de comer haveria de me por em Soito da Ruiva depressa? A bem dizer, é da barriga que a gente caminha e vem a força. E eu ficava para trás. Fiquei agradecida à rapariga que se ofereceu para comer ao pé dela, do prato dela. - “Quando chegares à tua terra já vai ser tarde, então vais comigo.” E disse: - Não, não vou. Foi logo naquele dia em que levei a bucha assim melhor, que os meus pais lá me puseram, e aconteceu-me aquilo. Nos outros dias, era só o pão seco.