“O meu pai e os meus irmãos é que me liam as cartas”

Não me lembro como conheci o meu marido. Acho que foi nas festas que a gente se conheceu. Chamava-se Armando Alves. Não era de Soito da Ruiva, só veio para cá quando se casou. Era da Camba. Eu tinha uma tia, irmã da minha mãe, na Camba. De vez em quando, a gente ia lá à festa, à casa da minha tia. Foi assim que a gente se conheceu. Entretanto, ele foi para Lisboa trabalhar e de lá começou a escrever-me. Sei que andava a limpar as chaminés! Escrevíamos um ao outro e foi assim o nosso namoro. Namorámos para aí um ano, mais ou menos. Ele sabia ler, eu não. O meu pai e os meus irmãos é que me liam as cartas, pois sabiam ler. Antigamente fazíamos os casamentos de qualquer maneira. Não é como agora! Cá quando era nos casamentos levavam um xaile e um lenço na cabeça. O lenço não era preto. Agora quando me casei já havia muitos lenços negros. Mas primeiro era um lenço qualquer, era conforme se podia. Os casamentos não eram como agora em que casam num dia e no outro já andam com outro. Organizámos o casamento por cartas. Mas, ao fim, ele veio cá pedir a minha mão em casamento. Uma vez veio à terra dele e tinha-me escrito para eu lá ir ter. Eu é que depois não quis ir. Disse: - Não vou. Disse para os meus pais: - Vão vocês, que eu não vou! E ao fim, foi uma mulher daqui lá para a festa, encontrou-o e disse: - “Olha, a Ana disse que não vinha.” Também escusava de lhe dizer. Ele abalou e veio falar com os meus pais. Ele queria fazer o casamento. Sem a ordem dos meus pais, não o podia fazer. Já tinha 24 anos quando casei. Não fazia mal, mas não queria ficar mal vista. Já tinha a idade para me casar sem autorização. Mas para a gente o respeito é tudo. Naquela altura elas casavam-se com 16-17 anos, mas era preciso os pais irem a Arganil assinar. Os rapazes só a partir dos 21 é que não eram menores. Depois casei-me em Julho. Naquele tempo também havia mais respeito do que agora. A gente desviava-se o que podia para não dar que falar ao povo, não era. Pois agora não se importa que dêem que falar, nem que não dêem. É como se vê! Fiz festa de casamento, graças a Deus. Foi em casa dos meus pais. A missa foi aqui na capela de Soito da Ruiva, veio cá o padre. Naquele tempo, tínhamos de tirar uma licença para ser numa capela. Como ele não era de cá e para os pais, para a família dele não vir nas vésperas, veio só no dia do casamento de manhã e foram só ao outro dia de manhã. Ele preparou tudo e, ao fim, disse: - “Olha, falei com o padre, fazemos o casamento ali adiante.” E eu disse: - “Então não é preciso uma licença?” Respondeu: - “Eu já cá tenho a licença, já a tenho paga. Está aqui na algibeira. Já não há mudança nenhuma.” Foi assim que a gente fez o casamento. Antigamente, as noivas não compravam vestido, usavam um fato. A gente até levava um xaile de merino. Eu levava um lenço e uma roupa. Não comprei mais nada. Nessa altura, nos casamentos, ninguém oferecia nada a ninguém. A mim não me deram nada. O meu pai deu-me ao fim os terrenos e era muito. A sorte que ele me deu dava 30 alqueires de milho. Gostava muito do meu marido, pois era meu amigo. Não me faltava com nada. Já morreu há 41 anos. Na altura, eu tinha 44 anos. Há muita gente que diz: - “Ah, então morre o marido, arranja-se outro.” Mas não é bem assim. Eles são a nossa família. O meu rapaz tinha 18 anos quando o pai morreu. Naquele tempo, só aos 20 e tal anos é que tinham a maioridade. Tive de recorrer a um Conselho de Família. Agora nem há o Conselho de Família mas naquele tempo, tive de arranjar cinco homens e um tutor para tomar conta dele. O tutor é que era o responsável e quem tomava conta dos menores. Na altura, tive de fazer um inventário de menores em Arganil. O tutor foi um tio dele da banda do pai. Ajudou-nos muito e era muito nosso amigo.