“Achava a gente graça a tudo!”

A minha infância foi muito difícil! Não era como agora. Semeávamos o milho, tínhamos que cavar a terra e levar gado para o mato. Tínhamos que fazer isto tudo, mesmo quando estava frio, pois os animais tinham que comer. Recordo-me que fazíamos tudo descalços. Nem tamancas tinha, quanto mais sapatos! Quantas vezes andei descalça no gelo! Nessa altura, brincávamos na neve. Fazíamos bolas e outras coisas altas para depois ficarmos a admirar. Na altura havia cá muita rapaziada. Agora não há cá ninguém, mas nessa altura havia. Havia casas com sete, oito pessoas. Agora têm uma ou duas. Mas naquela altura não era assim. Naquele tempo achava a gente graça a tudo. Brincávamos uns com os outros. As raparigas umas com as outras. Andávamos no gado e dançávamos em cima das penedas. Os rapazes tinham mais jeito para jogar à bola e outros jogos. Dançávamos umas com as outras e eles lá andavam na vida deles por outro lado. Também havia mais respeito. Naquele tempo, as coisas eram diferentes. Havia uma brincadeira que fazíamos com um cântaro. Atirávamos cântaros uns aos outros. Os que o seguravam, seguravam, os que não o seguravam, ia parar ao chão e partia-se. Era uma risada! Também fazíamos o jogo da semana. Fazíamos um risco no chão e depois deitávamos uma pedra. Se ela caísse para o sítio que a gente havia de pôr, bem. Se nos caía mal, a gente perdia. Apenas jogavam uma ou duas pessoas. Era um jogo de raparigas. Os rapazes não jogavam. Os rapazes jogavam à chona. Era com uma bola e faziam uns buracos no chão. Quem lá metia a bola ganhava, quem lá não metia perdia. Juntavam-se todos! Não era para valer de nada. Era só uma paródia! Brincávamos ao pé da escola, na altura em que ainda não existia. Havia um largo, um centro muito grande, onde depois fizeram escola. Antes, esse largo era utilizado também para estender e secar o milho nas eiras. Eu não andei na escola. Dos meus irmãos só o mais novo é que andou na escola. Os outros aprenderam a ler e a escrever com o meu pai. Esse meu irmão andou na escola do Sobral Magro. Era longe, ia e vinha a pé. Ficava lá o dia todo. Naquele tempo, a vida era muito difícil. Não deixavam as raparigas aprenderem. Ficavam a trabalhar, como eu. Os mais velhos tinham medo que elas escrevessem para os rapazes sem eles saberem.