“Escreveu-me a pedir em namoro”

O meu marido era meu primo directo. A minha mãe era irmã da mãe dele. A minha mãe foi criada lá na Ribeira e a mãe dele também. Ele já andava em Lisboa quando começámos a namorar. Tem mais sete anos do que eu. Escreveu-me a pedir em namoro. Era eu que lia as cartas, mas o meu irmão apanhava-mas. Se soubessem o que eu passei com a primeira carta que ele me mandou, vocês riam-se, nem acreditam. Jesus! Recebi aquela carta e tive que a ter todo o dia na algibeira, que não ma deixavam ler. Outro dia, fui para ir cortar um molho de mato e o meu irmão seguiu-me sempre. Eu a dizer-lhe: - Alfredo, roça aqui. A gente diz que é cortar, mas naquele tempo dizia roçar. - Roça aqui o teu molho. Mas ele sabia que levava a carta na algibeira e não me deixava ler. Eu queria ler, mas não ma deixavam ler. E depois, é claro, eu sempre ali. Eu casei-me garota, com 17 anos. Foi uma parvoíce, Jesus! Não dou de conselho a ninguém, a rapariga nenhuma nem rapaz, que se case com aquela idade. Então, quando é que foi a vida de solteiro? No dia do casamento não fui vestida de branco. Naquele tempo não íamos de branco. Era um fatito, saia e casaco azul, uma blusita branca, um véu preto na cabeça e um xaile de merino, diziam que era de merino. Uma viúva, parecia uma viúva. Era assim a tradição. O meu marido levava um fato preto e um chapéu na cabeça. Já não tenho recordação nenhuma do casamento. Nem temos fotografias. Naquele tempo quem é que tinha dinheiro para tirar fotografias? Depois fizemos uma festa na casa da minha mãe. Ajudaram todos. Uns davam uma coisa, outros davam outra. Tínhamos lá chanfana, arroz doce, tigelada, pão-de-ló. Era o que havia. Já não era nada mau. Depois, também se costumava ir levar alguma coisa às outras pessoas que não tinham sido convidadas. Havia pessoas que, às vezes, davam qualquer coisa. Naquele tempo davam pouco, também! Coitadinhos, não tinham. Mas a gente, às vezes, ia levar um pratito de arroz, dois bolitos assim por cima. Era uma lembrança Depois, os meus pais emprestaram-me uma casita velha, que agora até já está modificada, e a gente foi para lá viver. Eu é que fui para lá, que o meu marido 15 dias depois teve que se ir para Lisboa. Depois estive um mês sem ter notícias dele, nem uma carta me mandava. Estava num sítio que nem uma carta me podia mandar, pois não tinha correio. Ele trabalhava na cortiça. O patrão mandava-o para o Alentejo. Eles não diziam que era para o Alentejo, diziam que iam para o mato, mas era no Alentejo. Agora quando lá passo, quando vou para casa do meu filho é que eu vejo para onde iam. Iam enfardar a cortiça. De maneira que tinham que lá estar muito tempo. Enquanto lá estivesse a cortiça eles tinham que estar lá. E mesmo que estivessem sem fazer nada, tinham que estar a guardar a cortiça. Depois ali não tinham meios para ter correio para me mandar uma carta. Ora, eu aqui durante um mês à espera de uma carta, vejam lá bem. E que remédio! Aquilo é que foi uma lua-de-mel! Depois, eles em escrevendo, a gente escrevia logo outra vez. Para a outra semana já vinha outra carta e era assim. Era assim a nossa vida. Tive três filhos. Na altura em que o meu marido estava fora, ficava sozinha a cuidar dos filhos e do trabalho. Tinha que cavar a terra, agarrada a uma enxada. Cavava terra, cortava mato, tinha cabras, ovelhas, galinhas, porcos e tinha os filhos. Isto é que foi trabalhar.