“Descalça por essas serras a dentro”

Arminda recua no tempo através da memória. Conta: “lembro-me bem desta aldeia quando ainda era pequena. Era mato, tojos e tudo. Calquei muito atrás do gado. Andei a guardar o gado até aos 18 anos, como não tinha o meu irmão em casa, tinha eu que ir e ajudar aos meus pais. Naquele tempo havia muitas cabras e ovelhas. A minha família tinha ora quatro, ora cinco cabras. Era conforme. Durante o dia ficava a trabalhar. Fazíamos muita coisa. Era sachar, empalhar... Havia muita plantação de milho. Juntavam-se as maltas nas plantações. Semeávamos o milho, que é lá para Março, depois ainda demora muito para colher. As pessoas costumavam juntar-se para debulhar ou descamisar o milho. Antes disso, havia o desfolhar. Desfolhar é o tirar as folhas pela cana abaixo e a descamisar era tirar as folhas da espiga. Costumávamos acartar à mão para um bocado, a fazenda. Púnhamos um milho ao monte e juntavam-se todos à roda do milho para descamisar. Antigamente, ainda cantavam. Depois, já não. Nessa mesma altura, também faziam-se as vindimas. Tratavam-se de levar as colheitas de milho e os cachos para casa. Depois, de dia, ficávamos a fazer o vinho e à noite iam debulhar o milho. Primeiro usava-se um riscador e, mais tarde, passou-se a usar uma estaca, um pau. O riscador servia para tirar os grãos da espiga, da massaroca. Assim, os grãos ficavam todos certinhos, depois podiam ir tal e qual para os moinhos. Nessa altura, havia muitos moinhos e funcionava em sociedade. Agora, acho que só dois é que estão a funcionar, porque o tio Manuel Grácio Marcelo é que os compôs. Os outros estão parados ou escangalhados. Íamos botar o gado ao monte e deixávamos a andar por lá. Às vezes, nem o guardávamos. Fugia lá para cima, onde chamam a Sobreira. Lembro-me que havia lá um homem que ralhava. A gente ia lá buscar o gado e ele dizia assim: - ”Olha que o que vós precisavas era de um forgueiro por...“ Olha, que a gente passou-as também. Ficávamos com medo de voltar para casa sem as cabras. E os lobos levavam os chibos. Ainda me lembra que botava o nosso gado e, às vezes, também guardava o gado de outros. A gente precisava e era sempre uma forma de darem alguma coisa. Era assim. E uma vez, eu deixei levar um borrego que era de um primo meu. Ia com os outros ali por cima e o lobo passou por nós para baixo, parecia que até vinha maluco. Fiquei com medo. Atacavam e lá comiam o gado. Não atacavam muito as pessoas, porque quando nos viam fugiam. Andava descalça por essas serras adentro. Naquele tempo a guardar o gado passava das boas. Agora já não temos porque arderam, mas antes havia muitos tojos. A gente não tinha calçado, levava uma capuchita para a gente embrulhar os pés. A gente passou mal.