“A fartura não era nenhuma”

As mulheres que ficavam em Soito da Ruiva, quando os maridos estavam em Lisboa, aproveitavam para amanhar os terrenos para arranjarem milho, feijão e batata, etc. Fôramos criados aqui praticamente numa miséria. Mas bem, para dizermos que passáramos fome, não passáramos. Mas a fartura não era nenhuma, que às vezes comia-se mais um bocadinho se o houvesse. O milho que se cultivava era todo moído no barroco, lá adiante onde corre água com abundância. Temos lá, salvo erro, alguns 14 moinhos naquele ribeiro. Tudo trabalhava naquele tempo. Estes moinhos ainda lá existem só que hoje já nenhum deles trabalha. Não há milho para moer, ninguém o cultiva. Agora está tudo degradado, mas era lá que se ia moer. Também a terra se cultivava tudo e hoje não se cultiva nada. Para além dos terrenos tínhamos rebanhos de cabras e ovelhas. O nosso dia-a-dia era simples. Acordávamos de manhã e depois tomávamos o café. A gente tomava naquele tempo era um bocado de broa, um bocado de queijo, quando havia, ou uma sardinha. Uma sardinha dividida por três. Era o que havia. Depois iam com as cabras para a serra. À volta do meio-dia comia-se uma sopazita, uma tigelazinha de sopa, e depois: - “António vai deitar as cabras. Vai lá deitar as cabras para a rua.”