“Agora não tenho ninguém”

Já cá morreram algumas pessoas de quem eu senti muita falta. A minha avó foi a primeira, depois foi o meu pai, que Deus tem. A seguir foi a minha mãe e depois a minha irmã. Essa é que me deu muito choque, porque andávamos todo o dia ao pé uma da outra. Cozíamos a broa à sociedade. Umas vezes cozia ela no meu forno, noutras vezes cozia eu lá no dela. Nessa altura, o meu irmão também estava cá sozinho, mas em Coja, e depois começáramos a cozer a broa toda à sociedade. E ela um dia à noite disse-me assim: - “Amanhã não queres cozer?” E eu disse assim: - Eu amanhã tenho que ir ao mato. Isto foi num sábado. Depois, ela disse: - “Quer dizer, também tenho que ir ao mato e tratar do gado, mas o Manel, o meu genro, vem-me cá buscar e em cá chegando já lhe pergunto se ele cá tem broa. E havíamos de cozer.” Eu disse assim: - Então só se cozermos quando virmos do mato. Pois assim foi. Cozêramos lá em baixo no forno dela. Eu fui ao mato de manhã mais o meu marido e estávamos a almoçar quando ela ligou para casa: - “Então, não vens cá ter para tratar da broa?” Porque ela não a podia amassar, partiu um braço e já nunca mais amassou a broa. E depois eu disse assim: - Então, estamos a comer, põe já a água ao lume. Ela disse: - “A água já está ao lume e eu já peneirei a farinha. Então, vinde que já é só amassar a broa.” Fui para baixo e amassei a broa. E depois eles começaram a dizer: “Ah, temos que pôr os feijões ao sol.” Porque a gente usava apanhá-los e depois ainda os punha ao sol para ser melhor de debulhar. Eu já tinha uma coisa pouca. Mas eles ainda lá tinham muitos para deitar ao sol. Depois ela disse assim: - “Então olha, vamos pôr os feijões ao sol. A primeira que cá chegar vai ver se a broa estiver numa de espetar lume ao forno, vai-lhe botando lume. Eu vou lá em baixo pôr os meus feijões ao sol e trago a vassoura para varrer o forno.” Depois a filha, a que morreu, chegou a casa e eu disse assim: - Então, o que é que tu aqui vens fazer? Eu não tenho aqui quase nada, que eu já pus os feijões ao sol. Vai ajudar o tio Manel ou a tua mãe. Depois, fui para baixo e vi que a broa já estava em condições para pôr lume ao forno. E pus-lhe o lume. Ela veio, aquecemos o forno e tiráramos a broa. Depois de botarmos a broa, a gente usava sempre fazer uma bola para comer. Até lhe arranjaram carne para pôr na bola e estávamos a comer, mas o meu marido a essa hora não estava. E ela disse assim: - “Olha que guarda-se um bocado para o Toino.” E ele depois chegou e eu disse assim: - Olha, ele já aí vem. Depois, comêramos, mas eu já não a achei boa, porque ela estava toda a hora com o braço, ora levantava ora baixava. Achei aquilo estranho. E disse: - Tenho que ir deitar ceia ao gado, às cabras. E o meu irmão disse assim: - “E eu também, que daqui a pouco chega aí o meu genro e tenho de estar pronto para me ir embora. Depois, eu fui tratar do gado. E tinha aqui a broa em casa e eles também a levaram para casa deles. Fui deitar a ceia às cabritas e cheguei aqui e disse que o meu marido gostava muito da broa quente. Disse assim: - Olha, está aqui esta pequenita broa para comeres. Estávamos para começar a comer e o telefone a tocar. Eu assim. - A esta hora? Quem será? Pois era a minha sobrinha. Disse: - ”Tia! Venha cá ter que a minha mãe desmaiou!“ Fui para baixo e já não me falou. Foi um choque muito grande para mim, porque a gente dava-se muito bem uma com a outra, que ela quando às vezes morriam as pessoas no povo e eu não me dava conta ela falava-me para aqui. Ou ela ou a filha: - ”Olha, que morreu fulano! Olha, que morreu sicrano! Não sabes isto! Não sabes aquilo!“ E agora não tenho ninguém.