Lobisomem - “Passavam aí”

Eu nunca vi nenhum lobisomem, mas lembro-me que falavam nisso. As pessoas tinham medo, porque aquilo era uma pessoa mas vinha feita em animal. Dizem que se iam deitar onde os animais tinham feito o serviço. E depois se fosse de burro, vinham de burro. Se fosse de cão, era de cão. Era assim. Não era ninguém cá da aldeia, mas passavam aí. A bisavó da minha mãe, juntava-se à noite quando era no Inverno para fiar. Com ela estavam as raparigas e os rapazes. Os rapazes alguns sabiam fiar tão bem como as raparigas. E eles estavam lá, mas não cabiam todos na cozinha e estavam alguns na rua. Tinham até lume, uma fogueira, na rua. E ela ouviu um galo cantar, era meia-noite, mas era um galo romano. E ela chegou à janela e disse assim: - “Ó rapazes e raparigas! Se quereis ir para vossa casa, ide. Se não quereis vinde para aqui, que olha que está alguma coisa para sair ou para entrar cá para o povo!” Diz que entraram todos lá para casa e quando deram conta passou aquele torpelo pelas escadas abaixo. Passou o povo para o outro lado. Eles levantaram-se e foram lá diante para o largo da escola ver. E ele ia lá diante, as ferraduras até botavam lume. Foi por isso que puseram o nome da Quinta da Fagulha lá naquele sítio. Outra vez, estavam no forno da povoação a cozer, já era de noite, e também sentiram aquele torpelo. Depois parecia que até lhe arrombavam a porta para dentro. Elas por jeitos puseram-se todas a segurar a porta! Apanharam lá um grande susto! Diz que uma vez que andava um também a fazer a cavada para o centeio lá no mato. E depois todos os dias lá iam escangalhar a lenha que ele punha para queimar para fazer a cinza para o centeio. Chegava lá aquela coisa e escangalhava-lhe tudo. Depois ele disse assim: - “Todos os dias me lá vão escangalhar a minha lenha! Ando chateado com aquilo!” Eles até eram compadres. Mas isto não foi cá. Foi lá noutro lado. E disseram-lhe: - “Atire-lhe com a roçadeira a uma perna, mas de longe!” No outro dia, aquela coisa apareceu-lhe lá e ele atirou-lhe com a roçadeira e partiu-lhe um braço. Depois disseram-lhe que o compadre que estava doente e ele foi lá ver: - “Então, mas como é que tu fizeste isso?” - “Como é que eu fiz isto? Não sabes o que me fizeste?” Ele disse assim: - “Credo! Não me digas que fui eu!” - “Isto já tu me havias de ter feito há muito, que se me tivesses feito há muito eu já não andava cá com este fadário.” Para deixarem de ser lobisomens era preciso tirarem-lhe sangue. Mas não o deixar ir para a pessoa, senão ficava ele com o condão. Outra vez foi um também. Todos os dias lá passava aquele torpelo à porta, ao pé da casa. Mas ele disse: - “Raios partam!” Ia ver, mas desaparecia. Depois também disse para esse tal: - “Rapaz, todos os dias me lá passa um torpelo à minha porta! Não sei que tropelo é aquele!” E vai ele assim: - “Arranja uma agulha bem comprida e com uma cortiça na frente e pica-o! Mas de maneira que o sangue não vá para ti!” E ele isso fez, depois, ficou todo nu. Atirou para lá com roupa para ele vestir e disse: - “Ai, o que eu te fiz!” E ele que disse assim: - “Tu isto já me havias de ter feito há muito! Que se me tivessem feito, eu não andava aí a penar como andei!”